domingo, 29 de março de 2009
A VIDA ESCANDALOSA DOS BEATLES - I
Peter Brown foi executivo do empresário dos Beatles, Brian Epstein, e Steven Gaines é especialista na redação de biografias, além de colunista da música pop. The Love You Make é o último verso da última música do último álbum dos Beatles. Esta primeira parte da condensação do livro narra as aventuras sexuais e sentimentais dos quatro Beatles, todas elas resultando na dissolução de um casamento para a formação de outro. Ficamos sabendo como John trocou Cyntia por Yoko Ono, o modo como Linda Eastman, herdeira da Kodak, agarrou o Beatle mais cobiçado pelas mulheres, Paul. E também como o rompimento do casamento de George e Pattie levou de roldão também o de Ringo e Maureen.
Ela ficou sem fôlego descobrindo-se daquele jeito. Bem que ela vinha esperando, quase desejando que aquilo acontecesse, há já alguns anos; mas ainda assim, quando Cynthia Lennon voltou para casa, após férias de duas semanas na Grécia, em maio de 1968, e encontrou o marido com aquela artista japonesa baixinha, chamada Yoko Ono, tomando chá em roupão de banho, ela ficou muda. Tentou dizer alguma coisa inteligente e segura, mas quando abriu a boca para falar descobriu que não conseguia nem respirar.
Cynthia passara umas férias curtas com Jenny Boyd, irmã de Pettie, a mulher de Jorge Harrison, e também com um dos melhores amigos de John, o mágico eletrônico chamado Magic Alex. Quando os três chegaram de táxi do aeroporto, os portões da frente estavam destrancados e as luzes da varanda acesas. Cynthia não precisou usar seu cartão magnético de código para abrir a porta da frente.
A casa estava estranhamente silenciosa. Não havia sinal de Julian, o filho de 5 anos; nem de Mrs. Jarlett, a fiel governanta; nem do próprio John. Cynthia caminhou até o pé da larga escadaria de mogno que levava aos andares do estúdio e do quarto de dormir, e chamou: “Alô! Você está aí? Tem alguém em casa?” Só teve como resposta o silêncio.
“John, você está aí?” chamou Cynthia, dirigindo-se para o solário. Achou que ouvira alguma coisa na cozinha, feito um riso abafado. Apreensiva, ela abriu a grande porta de painel de carvalho, para ver o que se passava.
John, de roupão, ficou parado olhando para ela, segurando na mão esquerda uma xícara fumegante de chá, um cigarro aceso na mão direita. Yoko Ono estava sentada na mesa da cozinha, de costas para a porta. Ela nem se deu ao trabalho de se virar. A cozinha branca, moderna, de vários níveis, estava cheia de pratos sujos e refeições largadas pela metade, dando a impressão de que a governanta há dias não podia entrar ali. As cortinas estavam abaixadas, e as luzes eram fracas.
“Oi”, disse John, lacônico, quebrando o silêncio. Tomou calmamente um gole de chá, enquanto Cynthia tentava perscrutar-lhe os olhos. Ele parecia meio doidão, como se tivesse ficado viajando a noite inteira, sem ter dormido um minuto. Sua silhueta comprida e magra estava coberta por uma camada de gordura mole, resultado de edemas causados pela droga e de muita dissipação. O cabelo estava pegajoso e emaranhado e ele, de uma maneira geral, parecia que não tomava banho há algum tempo. Por trás dos óculos de aro metálico, as íris eram dois pedacinhos de carvão, e as pálpebras, duas janelas quase caindo. Houve um momento longo de pausa, em que ninguém se mexeu.
Finalmente, Yoko virou-se para olhar para Cynthia. Seria mais apropriado dizer: para confrontá-la. Não havia o menor sinal de um sorriso sem graça, o menos sinal de lampejo de desculpas ou explicação. Inescrutável era, de fato, a perfeita descrição dela naquele momento. Cynthia olhou para Yoko. Puxa, não parecia nem um pouco o tipo que pudesse ganhar o afeto de John. Era uma mulher de olhar severo, que não sorria. Tinha um rosto pálido e oval. Com 36 anos, era oito anos mais velha que John e mais do que só um pouco desajeitada. Não poderia chamá-la de um símbolo sexual. Para cúmulo de tudo, ela no momento era casada e tinha uma filha de seis anos. Olhando para ela, ali, sentada, Cynthia de repente deu-se conta que Yoko Ono não estava apenas usando um roupão de banho, mas o sei roupão de banho. “Oi”, disse Yoko, fria, imperturbável.
Seguiu-se um doloroso silêncio, enquanto um sorriso sardônico cruzava lentamente o rosto de John. Cynthia decidiu agir do único jeito que sabia, do único jeito que vinha agindo durante todos aqueles anos de inesperada loucura com os Beatles: como se nada fora do comum estivesse acontecendo. Num momento quase surreal, ela escutou a própria voz recitando o pequeno discurso que preparara enquanto estava no avião com os companheiros de viagem – que agora estavam parados, mudos, atrás dela, no pórtico da cozinha. “Nós estávamos pensando em sair para jantar fora esta noite”, disse Cynthia, suavemente. “Tomamos o café da manhã na Grécia e almoçamos em Roma, e achamos que seria ótimo se todos jantassem em Londres. “Você quer vir?”
John olhou duro para ela. Por um momento ela se sentiu aterrorizada com ele, com aquela língua afiada feito um sabre que ele tinha, e que se abatia sobre ela com tanta facilidade. Rezou para que ele não a humilhasse mais na frente de Yoko. Ele apenas murmurou: “Não, obrigado.”
Com isso ela se virou e saiu correndo da cozinha. Foi pela casa de aposento em aposento, juntando coisas para botar nas malas, coisas inúteis, lembranças de um casamento que na verdade nunca dera certo. Enquanto Jenny e Magie Alex esperavam por ela no Hall de entrada, ela subiu correndo a escadaria principal para o segundo andar, e passou do vestíbulo para o quarto de dormir, um aposento do tamanho quase da metade de uma quadra de tênis, com armários do chão ao teto, de parede a parede os quartos de vestir dele e dela, e uma cama com quase três metros de largura, na qual ela esperou incontáveis noites que ele voltasse para casa, terminando por adormecer sozinha. No corredor, ela viu os chinelos maltrapilhos de Yoko na porta do quarto de hóspedes. Bem, disse Cynthia para si mesma, pelo menos eles não usaram a cama dela.
No fundo do seu coração, embora ela mal pudesse admiti-lo. Cynthia sabia que o casamento estava condenado desde o começo. Desde o dia em que se conheceram, John lutara contra monstros e demônios que eram só dele, e ela pouco podia fazer para exorcizá-los.
Ela ficou de prontidão, enquanto – no decorrer dos últimos anos – ele conseguia se manter flutuando num turbulento mar de drogas. Aos 28 anos ele era virtualmente um viciado; com raríssimas e breves exceções, ele esteve ligado e/ou bêbado quase todos os dias de sua vida, desde que ela o conheceu. Numa prateleira do solário havia um pilão e um almofariz brancos, de farmácia, onde ele misturava todas as combinações possíveis de bolinhas, barbitúricos ou drogas psicodélicas.
Sempre que se sentia cair das alturas a que o barato o levava, ele lambia o dedo, mergulhava-o nos ingredientes do almofariz e chupava o que vinha. Em algumas de suas viagens de ácido, ele ficava ligado durante semanas, até que todas as cores se apagassem de sua visão e ele visse as coisas em preto e branco.
“O que posso pessoalmente dizer, escreveu Cynthia, é que o processo de dissolução começou no momento em que a maconha e o LSD fizeram sua derrubadora entrada em nossas vidas”. Mas, no final, não foi nem a maconha nem o ácido que tiraram John dela. Foi outra mulher.
Mesmo em suas lembranças mais antigas, havia sempre algumas mulheres atrás de John, ou da carreira dele, ou da sua fama. As mulheres formavam uma galeria que ia desde as típicas tietes até escritoras e artistas de cinema. Poucas semanas antes, John confessa dezenas de infidelidades durante os oito anos do casamento deles, e ela jamais suspeitara de nenhuma delas. Ele alegara que dessa lista fizera parte a cantora Joan Baez (boxe). No entanto parecia que nenhuma delas fora capaz de atrais a atenção dele. Até Yoko chegar. Yoko Ono era diferente, pelo menos era o que parecia. Ela tinha algo que faltava às outras: uma perseverança que beirava a obsessão. A essa altura todo mundo na casa já estava um pouco de saco cheio dela. Depois de ter conhecido John numa exposição de arte em 1966, ela se mostrou inabalável. Cynthia sempre achou que o primeiro erro de John foi dar apoio à arte que ela produzia, e dinheiro também; isso só fez com que ela ficasse sempre atrás dele, em busca de mais.
No princípio ela apareceu nos escritórios da Apple (a empresa produtora dos Beatles) e pediu para falar com ele. Quando lhe disseram que John raramente ia ao escritório, ela foi para cima de Neil Aspinall, amigo fiel e empresário de viagens dos Beatles. E, quando Neil lhe deu um passa-fora, ela se despendurou no pescoço de Ringo Starr, mas Ringo não conseguia entender uma só palavra do discurso críptico daquela artista/poeta, e saiu correndo depressa.
Em seguida veio o assalto ao lar dos Lennon. Começou com uma saraivada diária de telefonemas, e, depois que o número de John já havia sido trocado umas três ou quatro vezes, Yoko passou a enviar dúzias de cartas. Estas a princípio insistiam, depois exigiam, que John apoiasse os projetos artísticos dela. Cynthia interceptou muitas dessas cartas, e começou a guardá-las quando elas se tornaram e desesperadas, para o caso de Yoko chegar a cumprir as ameaças de se suicidar. Segundo Cynthia, Yoko escreveu: “Não posso mais agüentar a barra, você é minha última esperança. Se não me der apoio, então está decidido. Me mato.”
Muitíssimo viva, Yoko começo a ir pessoalmente à casa deles, esperando no portão as entradas e saídas de John. Ela ficava lá desde manhã cedo até o fim da noite, não importa o tempo que fizesse, usando sempre o mesmo suéter preto mulambento e sapatos na última lona.
Por fim, a perseguição de Yoko a John se tornou tão ostensiva que se transformou numa espécie de piada para o casal Lennon. A “grande atrocidade” de Yoko aconteceu uma noite, quando ela apareceu numa sessão de meditação transcendental a que John e Cynthia tinham comparecido, em Londres. Quando a sessão acabou, ela os seguiu até a rua e pulou para o assento traseiro da limusine Rolls-Royce de John, que era pintada à mão em cores e desenhos psicodélicos, e sentou-se bem no meio do casal. Cynthia e John trocaram sorrisos sem graça por cima da cabeça dela, até que o motorista a largou em casa. Quando Yoko saltou do carro, Cynthia estava bastante deprimida com a aparente habilidade daquela mulher em divertir John com seus esquemas malucos. “Talvez seja Yoko que lhe sirva?”, perguntou ela ao marido.
John soltou uma daquelas suas risadinhas curtas e marotas. “Ela? Ela é muito pirada. Não é ela que me serve. Ela é divertida, isso é tudo. Não tenho atração por ela.”
No entanto lá estava ela, seis meses depois, tomando chá na cozinha de Cynthia, parecendo até que era a verdadeira dona da casa.
Alguns dias mais tarde, quando Cynthia voltou a sua antiga casa para pegar mais algumas roupas, houve uma reconciliação das partes. Yoko tinha ido embora – John disse que se enchera dela – e Cynthia foi convidada a voltar se quisesse. Fazia poucos dias que ela voltara quando John disse que teria que ir a Nova Iorque a negócios. Cynthia pediu para acompanhá-lo nessa viagem, mas John disse que estaria muito ocupado. Mais uma vez, John embarcou numa viagem, dessa vez com a mãe dela e com Julian, para Pesaro, na Itália. Relutante, Cynthia deu em John um beijo de despedida – pela última vez.
No dia 9 de março de 1963, aos 21 anos, Paul MacCartney conheceu Jane Asher. Ela tinha 17. Era pura e bela, com seus cabelos de Vênus. Uma pepita de olhos verdes. E, já então, uma atriz de verdade. É exato afirmar que Paul se apaixonou não só pela garota, mas também pela sua imagem. Meninas inocentes e bem-nascidas com Jane Asher eram inacessíveis, até então, para rapazes de Liverpool do tipo de Paul MacCartney. Antes de mais nada Jane era uma genuína virgem. Nascida em 5 de abril de 1946, morava com a família numa enorme town house de cinco andares, em Londres. Seu irmão mais moço, Peter, formara-se em Cambridge. Era o músico e letrista de talento que, pouco mais tarde, formaria a dupla de cantores Peter & Gorden e com a canção World Without Love de MacCartney atingiria o topo das paradas de sucessos, na pegada dos Beatles. Uma noite, Paul perdeu o avião, quando voltava para Liverpool. Mrs. Asher gentilmente lhe ofereceu o quarto de hóspedes. Era tolice, afinal estar sempre gastando dinheiro nos hotéis londrinos. Paul mudou-se de malas, bagagens e guitarra. Ficou dois anos – com direito a todas as bênçãos oferecidas naquele lar. Quatro anos mais tarde, com 25, Paul transformara-se no multimilionário seguro de si, ligeiramente pedante, alinhado – em suma, no ídolo de sua geração. Fora chamado várias vezes de gênio e – muito justamente – acreditou nisso com a mais profunda das convicções. Tinha aparentemente tudo, em casa. Uma namorada linda e famosa. Uma belíssima cadela pastora, Martha. Uma casa estupenda, que aos poucos ela ia se enchendo de desenhos originais de Aubrey Beardsley. (Os álbuns de platina foram mandados para a casa do pai). Paul tinha tudo menos uma coisa que todo inglês do norte quer muito: esposa e filhos. Apesar de todo o glamour e a perfeição de sua vida conjugal, Jane Asher jamais aceitaria esse papel. Paul continuava loucamente apaixonado. Para ele, ela representava Here, There and Everywhere. Era muito mais do que a musa inspiradora das canções. Só Jane parecia possuir algum controle sobre Paul. Só ela sabia esvaziar aquele ego impossível, sem lhe destruir o orgulho. Só ela sabia devolver a Paul a grande qualidade que o sucesso destruíra: a humildade. Jane amava Paul, mas sua vida não poderia resumir-se a ele. Não podia viver na sombra de um Beatle. Embora tivesse anunciado oficialmente o noivado, e até realizado uma festa em benefício dos parentes de Paul, em Liverpool, ele jamais conseguiu que ela fixasse data para o casório. Enquanto isso, Jane dava duro em sua carreira teatral. Seu nome crescia de mês para mês. Já era a ingênua no elenco principal do Old Vic. Em 1968, ao fim de cinco anos, o romance de Paul MacCartney e Jane Asher estava acabando. No dia 12 de maio, Paul e John foram a Nova Iorque encontrar-se comigo (Peter Brown) e outros executivos da Apple, a companhia produtora dos Beatles. A viagem – uma campanha publicitária de cinco dias – compreendeu, entre outras coisas, uma aparição no programa de televisão Tonight Show, com Johnny Carson e um público telespectador calculado em 25 milhões.Após o programa, Paul saiu para encontrar-se com Linda Eastman. Eu conhecera Linda um ano antes, em Nova Iorque, onde ela iniciava uma carreira de fotógrafa do Rock – e onde era muito mais conhecida como uma ardosa tiete. Eu a apresentara a Paul. Durante uma coletiva à imprensa, naquele dia, Linda aparecera e, sem a menor cerimônia, deu a Paul um bilhetinho com seu número de telefone.
Paul tem um ego terrível, que só Jane Asher sabia manobrar. Mas ela logo se cansou. Com Linda Eastman, ele se permitiu várias extravagâncias e alcançou, com o sobrenome dela, o status com que sempre sonhou.
Ele lhe telefonou, fez planos para vê-la de noite. Mas tinha medo de serem fotografados juntos, se Linda fosse à sua suíte de hotel (e Jane Asher acabar vendo as fotos). Por isso, combinou encontrar-se com Linda no apartamento de um amigo, onde os dois acabaram ficando vários dias juntos. Uma noite, quando Paul lhe disse o quanto gostava de crianças, linda mostrou-lhe sua filha Heather, de seis anos. Paul, radiante, ficou como baby-sitter da menina, quando a mãe foi fotografar um concerto de rock no teatro Fillmore. No fim da semana, Paul voltou para Londres e Linda lhe mandou uma ampliação enorme do rosto dele, com os lábios franzinos. Em cima, superposta, uma foto de Heather beijando Paul. Poucas semanas mais tarde, o Beatle estava de volta aos EUA acompanhado de Ron Kass, gerente da Apple Records. A viagem foi feita expressamente para que Paul falasse num simpósio de fabricantes de discos organizado pela Capitol, em Los Angeles, Paul encontrou tempo para se divertir num bangalô do hotel Beverly Hills. Encenou, naquele fim de semana, o que Ron Kass batizou de Show da Troupe Preta – e – Branca de Paul MacCartney. Num dos quartos Paul instalou uma linda estrelinha. No outro, uma das call girls negras mais famosas de Los Angeles. Kass, que dividia com Paul o bangalô de três quartos, presenciou um espetáculo de malabarismo. Viu Paul passar o fim de semana viajando de um quarto para o outro e só parando para assinar as contas do room-service. Na manhã de domingo, o telefone tocou, interrompendo as funções. Era Linda Eastman. Ela voara até a Califórnia, por iniciativa própria, e naquele momento estava ali no saguão do hotel, falando com Paul através do orelhão. Paul nem vacilou. Disse-lhe que viesse direto para o bangalô. Minutos mais tarde, ela apareceu. Paul lhe ofereceu o sofá, à entrada. Em seguida, bateu às portas de cada quarto ocupado e disse-lhe que se vestissem e se mandassem. Ficou conversando descontraidamente com Linda, no sofá, enquanto o troupe Preta – e – Branca fez as malas e saiu chorando. Linda e Paul não poderiam ter sido mais informais, diante da situação.Também reagiram como verdadeiros Blasés quando Paggy Lipton, atriz americana que na época fazia a popularíssima telessérie Mod Squad, apareceu à porta do bangalô para declarar amor a Paul. O Beatle explicou que estava ocupado e bateu-lhe com a porta na cara. Quando Paul chegou a Londres, de volta, Linda promoveu uma verdadeira campanha transatlântica de telefonemas e cartas – mas pouca coisa uma garota podia fazer para prender a atenção de Paul e quase cinco mil quilômetros de distância. Além disso, Paul suspirava por Jane. Esperava-a de volta de uma turnê. E se mantinha na sua, enquanto isso. Um dia, no verão de 1968, uma americana de Nova Jersey, chamada Francie Schwartz, apareceu no edifício da Apple. Usava Jeans, não estava maquilada e seus cabelos precisavam urgentemente de uma lavagem, segundo Barbara Bennett, a secretária que a atendeu. Tal como milhares de outras jovens, trazia uma carta e um script para Paul. Barbara, em geral, mandava essas meninas embora. Mas por algum gesto inexplicável de gentileza, resolveu dizer a Francie Schwartz que voltasse, à tarde. Paul estaria lá. A garota que voltou, horas mais tarde, era completamente diferente da maltrapilha da manhã. Francie havia comprado um vestido e ido ao cabeleireiro. Barbara Bennett apresentou-a a Paul, e ele a levou-a para sua sala. À noite, os dois saíram juntos, para coquetéis e jantar, e passaram a noite na casa dele.
A noite de Joan (Baez) na cama de John (Lennon)
As celebridades geralmente são notadas pelo que fazem e não pelo que deixam de fazer. Daí a curiosidade deste episódio entre John Lennon e Joan Baez, contado pela própria Juan em recente entrevista a Rolling Stone. Apesar de ter ficado famosa muito antes dos Beatles, Juan já era fã incondicional dos rapazes quando eles atravessaram o atlântico para a conquista da América. E, um belo dia, a turnê dela cruzou com a turnê deles (imaginem só, num buraco do colorado chamado Red Rocks) e la Baez foi apresentada aos Fab Four. Quando a excursão dela terminou, Joan agregou-se à caravana maluca dos liverpudlianos e foi parar com eles em Los Angeles. Lá, os Beatles se instalaram em Bel Air. Ao cair da noite, abriram-se as portas para as tietes, e logo formaram uma ruidosa multidão na sala de estar. Segundo Joan, era um verdadeiro self-service sexual: o Beatle descia de seus aposentos e escolhia a tiete que mais lhe agradasse para – vocês sabem...Em meio a toda essa confusão, a pobre Joan, meio esquecida num canto, foi salva por John Lennon. Ao saber que ela não tinha onde dormir, John convidou-a para o seu quarto. Segundo, Joan, “havia lá uma cama do tamanho de uma piscina e eu disse a ele: ‘Bem, John, quando você quiser dormir, pode usar a outra metade da cama, tá legal?’ Eu não queria pressioná-lo, porque sabia como os Beatles eram solicitados sexualmente o tempo todo”. Joan adormeceu e acordou no meio da noite, quando John voltava ao quarto. Lennon se aproximou dela, meio constrangido, como quem se sente obrigado a transar. Joan então falou: “Deixa pra lá, John, você deve estar tão cansado como eu. Não precisa provar nada para mim.” E Lennon, com um suspiro: “Maravilha! Isto é um alívio...porque o que eu tive de transar lá embaixo com aquelas tietes não está no gibi...” E foram dormir, inocentes como duas crianças.
Roberto Muggiati
Na mesma semana, Paul requisitou um emprego para Francie, na Apple, e, apesar de ressentimentos gerais, ela acabou instalada numa escrivaninha num canto do departamento de publicidade. Três semanas se passaram, Francie não fazia nada de especial, além de namorar Paul. Parecia firmemente radicada na firma, até que, uma noite, Jane apareceu inesperadamente. A turma regular de tietes que fazia ponto em frente à casa de Paul (quando ele estava em casa) tentou avisá-lo pelo telefone interno. Ligou. Mas ele pensou que fosse brincadeira, quando lhe disseram que Jane voltara da excursão e estava abrindo a porta naquele momento com sua chave. E tal como acontecera com Cynthia Lennon, antes, Jane também descobriu outra mulher em seu roupão de banho. Jane saiu em disparada, momentos depois, do automóvel. A Sra. Asher veio mais tarde apanhar as roupas, os pratos e as panelas da filha. Desde então Jane mal voltou a ver ou a falar com Paul. Os anos se passaram e ela se ressentiu cada vez mais de sua associação com ele. Sempre se recusou a discutir o assunto em público. Hoje, é uma das atrizes inglesas mais conceituadas. É casada com o caricaturista político Gerald Scarfe, com quem mora em Londres. Tem um filho e uma filha. Francie Schwartz logo foi mandada embora. De volta aos EUA, escreveu um livro sobre seu ligeiro caso com Paul, intitulado Body Count e impresso pela Rolling Stone Press. Linda Eastman continuou a telefonar e a escrever. No início do outono convidou-a a ir a Londres, para conhecer sua casa. Ela nunca mais saiu.
Pattie Harrison sentia-se frustrada. Em 1972, após seis anos de casamento com George, jamais se realizara. Estava parada no tempo, aos 26 anos: proibida de seguir uma carreira própria e, quase sempre, isolada na lúgubre mansão do casal, a 50 quilômetros de Londres. Pattie queria muito criar família. Mas jamais engravidou. George era, então, o único Beatle sem filhos. Por estranho que pareça, o fato o constrangia. Ele e a mulher submeteram-se a exames de fertilidade. George, ao discutir o problema com alguns amigos íntimos, disse que o problema do ponto de vista médico, era dele mesmo. Mas suspeitávamos que não era verdade. Que o problema era de Pattie. Que George estava apenas sendo cavalheiro e assumindo a culpa. (Mais tarde George ganhou um filho, Dhani, de seu segundo casamento. Pattie, até hoje, não teve nenhum). Ela queria adotar. Ele se recusou. Tiveram discussões esquentadas por causa disso. E Pattie começou a fugir, passando noites em Londres. Sua arma mais forte contra George era justamente o melhor amigo dele, desde a dissolução dos Beatles: Eric Clapton, cuja carreira estava então em escalada. Clapton se tornara talvez o guitarrista virtuose mais admirado do rock. E já há muito tempo estava loucamente apaixonado por Pattie – isso era evidente aos olhos de quem os via juntos, inclusive George. Ele se derretia no mais atroz romantismo, na presença dela. No momento em que se sentiu infeliz no seu relacionamento com George, Pattie estimulou os desejos do atraente e romântico guitarrista. Começo a manipular a paixão de Eric, a fim de controlar e irritar George. “Ela me usou, sabe?”. Reconhecera Clapton, mais tarde, “e eu me apaixonei loucamente!”.
A paixão acabou consumindo Eric, que se retirou para sua mansão de baronete (Hurtwood Edge) e começou a tomar heroína na veia, a fim de aliviar seus sofrimentos. Trancado ali, durante meses, acabou desgastado e envelhecido pelos efeitos da heroína. Naquela época, leu o grande poema persa de amor, Layla e Majnum, de Nazimi, sobre o amor obsessivo entre um homem atormentado e uma mulher casada. Pattie ficou sendo a sua Layla. Enquanto isso, a saúde decaía perigosamente. Eric viajou para Miami para gravar sua linda e sofrida obra-prima, Layla, dedicada a Pattie – talvez a canção de amor mais apaixonada da era pop. Mas, enquanto o disco subia nas paradas, a heroína descia-lhe pelas veias, em Hurtwood Edge. Durante o verão de 1971, George recebeu elogios no mundo inteiro por seu Concerto para Bangladesh, realizado em 1º de agosto, no Madison Square Garden de Nova Iorque. Esse espetáculo de caridade foi organizado com a finalidade de angariar fundos para a população faminta do Paquistão devastado pela guerra.
George convidou uma lista impressionante de superstars para aparece no palco em sua companhia: Ringo, Leon Russell, Ravi Shankar e, como convidado surpresa, Bob Dylan. Até Eric Clapton, apesar de doente, conseguiu aparecer.
Harrison convidara também os outros Beatles. Mas Paul se recusou, sumariamente. Não quis confundir o público com o que poderia aparentar ser uma reunião dos Beatles. John aceitou o convite e viajou para Nova Iorque com Yoko, hospedando-se no Hotel Park Lane. Na manhã do concerto, Jonh e Yoko brigaram feio. Ao ligar para George, John ficou furioso quando soube que George não queria Yoko no palco. George achava que seria um insulto aos grandes do rock’n’roll dividir o mesmo palco com a mulher de John. Lennon ficou tão zangado que saiu do hotel 15 minutos depois de entrar e pegou o primeiro vôo de volta para Londres. Yoko ficou e só foi encontrá-lo 48 horas mais tarde. O relacionamento entre George e Pattie acumulou tanta força explosiva que carregou junto consigo o casamento de Ringo e Maureen.
George enganava Pattie freqüentemente, por volta de 1973. Não seria errado dizer que ele voltar ao seu velho estilo de dom-juan. Parecia querer seduzir toda mulher que lhe aparecia pela frente. Numa história revelada aqui pela primeira vez, um dos objetos das conquistas de George foi a mulher de Ringo, Maureen. Mas o motivo que o levou de repente a querer transar com a mulher de um dos seus melhores amigos – conhecendo-a, então, há dez anos – é algo que continua inexplicável.
Certa noite Maurren e Ringo convidaram George e Pattie para jantar na casa deles. Depois e uma suculenta refeição, regada com muito vinho, todos ficaram sentados à volta da mesa, com George dedilhando sua guitarra e cantando canções de amor. De repente, ele descansou a guitarra e disse num ímpeto que estava apaixonado por Maureen.
Os demais ficaram emudecidos. Maureen enrubesceu até a raiz dos cabelos e balançou a cabeça, Ringo esbravejou e Pattie explodiu em lágrimas, trancando-se no banheiro. Pouco depois os Harrison saíram.
Poucas semanas depois, Pattie – que voltava de uma orgia de compras pelas lojas de Londres – chegou em casa e encontrou, segundo se diz, George na cama com Maureen, da mesma forma como Cynthia Lennon e Jane Asher encontraram seus homens com outras mulheres. Nem Maureen nem Pattie jamais confirmarão que este incidente na verdade aconteceu, mas nenhuma das duas tampouco jamais o negará. O que Pattie diz a respeito: “Não quero arranjar complicações para ninguém.”
Mais tarde, quando perguntaram a George por que, entre todas as mulheres do mundo, ele escolhera a esposa do grande amigo, ele deu de ombros e disse: “Incesto.” (Ringo e Maurren se divorciaram em 1975, após 10 anos de casamento. Tinham três filhos.)
Como vingança pela gracinha de George, Pattie começou a levar uma vida independente e a seguir sua própria carreira, contra a vontade explícita do marido. Concordou em trabalhar como modelo de novo, teve seu primeiro caso extra conjugal (com Ron Wood, guitarrista do grupo Faces, atualmente tocando com os Rolling Stones), e não muito tempo depois fez as malas e partiu enquanto George estava tirando umas férias, o que George nunca questionou. Pattie deixou a própria Inglaterra por uns tempos, e foi se estabelecer em Los Angeles com a irmã Jenny, que se casara com o astro de rock Mick Fleetwood. Não era coincidência o fato de que Eric Clapton também estava morando nos EUA, em Miami. Clapton conseguira uma recuperação quase miraculosa da heroína. Amigos que se preocupavam com ele levaram-no à Dra. Margaret Petterson, que obtivera resultados promissores no tratamento dos viciados em heroína com acupuntura elétrica. Isso, ao que se diz, não somente aliviava a dor da retirada da heroína, mas era uma ajuda inestimável para manter a pessoa longe da droga.
Clapton, estimulado por narrativas do rompimento do casamento de Harrison, fez o tratamento da Dra. Petterson. Finalmente, em 1973, ele estava limpo quando gravou seu álbum de retorno, 461 Ocean Boulevard. O álbum foi um sucesso enorme e deu a Clapton a confiança necessária para se lançar numa turnê pelos EUA e Inglaterra. Quando ele partiu em turnê, Pattie juntou-se a ele no caminho, e ficaram juntos desde então. Casaram-se finalmente em 27 de março de 1979, mas isso foi apenas uma formalidade, pois raramente duas pessoas estiveram tão profundamente ligadas uma à outra. Até hoje eles continuam a ser tão românticos e alegres quanto eram no começo.
Em meados doa anos 70, nos escritórios da A & M Records, George conheceu uma secretária de 27 anos, nascida no México, chamada Olivia Trinidad Arias. Ela era doce, morena e bonita, e não custou muito para que ele se apaixonasse por ela. O relacionamento de George com Olivia foi provavelmente a primeira vez em que ele, em toda a sua vida, esteve realmente apaixonado por alguém, e não simplesmente empolgado com uma copiazinha qualquer de Brigit Bardot. Ela se mudou com ele para uma casa alugada em Beverly Hills e mais tarde os dois viajaram para o Havaí e para Londres. Já estavam juntos há aproximadamente quatro anos quando Olívia, para extremo prazer de George, deu à luz ao primeiro filho deles, que se chamou Dhani, em 1º de agosto de 1978. George e Olivia se casaram um mês depois, numa cerimônia discreta em sua casa na Inglaterra.
Olivia permanece uma figura distante de todos os associados de George. Ele protege muito cuidadosamente seu relacionamento com ela. Ela é mantida longe da vida de celebridades e só é apresentada aos amigos mais íntimos dele. Levam uma vida sossegada em seu lar britânico, com muito tempo livre para brincar com Dhani ou para trabalhar no jardim.
Não obstante, George parece não muito contente. Tal como com os outros Beatles, há algo que o corrói. O primeiro pensamento é que é a falta que sente dos seus antigos companheiros, ou a perda da glória de ser um Beatle, mas na verdade é justamente o contrário. Tratava-se provavelmente da sombra onipresente dos quatro meninos de ouro de sempre em cima de tudo o que ele faz.
Infelizmente, George já não grava muito. Ele recentemente desenvolveu uma tendência por carros de corrida e pilotou em diversas promoções de caridade. É o terceiro Beatle mais rico e se tornou um grande e bem-sucedido produtor de cinema. Um de seus investimentos mais lucrativos foi a comédia de Monty Python The Life of Brian, que ele ajudou a realizar, participando dos custos, que foram ,5 milhões de dólares. Até o momento em que este livro estava sendo escrito, o filme já tinha rendido 70 milhões de dólares.
Em 1981 George publicou uma edição de sua autobiografia, exorbitantemente cara, encadernada em couro, através de um pequeno e muito exclusivo editor de Londres. O volume é na maior parte composto de reproduções a cores de desenhos acompanhando as letras originais de suas canções, além de algumas fotografias, mas pouco texto de valor. Em suas reminiscências dos dias com os Beatles, ele omite qualquer referência a John Lennon, como se ele nunca tivesse existido. Houve um dia, há muito tempo, em que o jovem adorava tanto John que o seguia onde quer que ele fosse, se vestindo e se penteando igual a ele. Depois, os dois não tinham nada que dizer um ao outro durante os cinco últimos anos da vida de John.
Ela ficou sem fôlego descobrindo-se daquele jeito. Bem que ela vinha esperando, quase desejando que aquilo acontecesse, há já alguns anos; mas ainda assim, quando Cynthia Lennon voltou para casa, após férias de duas semanas na Grécia, em maio de 1968, e encontrou o marido com aquela artista japonesa baixinha, chamada Yoko Ono, tomando chá em roupão de banho, ela ficou muda. Tentou dizer alguma coisa inteligente e segura, mas quando abriu a boca para falar descobriu que não conseguia nem respirar.
Cynthia passara umas férias curtas com Jenny Boyd, irmã de Pettie, a mulher de Jorge Harrison, e também com um dos melhores amigos de John, o mágico eletrônico chamado Magic Alex. Quando os três chegaram de táxi do aeroporto, os portões da frente estavam destrancados e as luzes da varanda acesas. Cynthia não precisou usar seu cartão magnético de código para abrir a porta da frente.
A casa estava estranhamente silenciosa. Não havia sinal de Julian, o filho de 5 anos; nem de Mrs. Jarlett, a fiel governanta; nem do próprio John. Cynthia caminhou até o pé da larga escadaria de mogno que levava aos andares do estúdio e do quarto de dormir, e chamou: “Alô! Você está aí? Tem alguém em casa?” Só teve como resposta o silêncio.
“John, você está aí?” chamou Cynthia, dirigindo-se para o solário. Achou que ouvira alguma coisa na cozinha, feito um riso abafado. Apreensiva, ela abriu a grande porta de painel de carvalho, para ver o que se passava.
John, de roupão, ficou parado olhando para ela, segurando na mão esquerda uma xícara fumegante de chá, um cigarro aceso na mão direita. Yoko Ono estava sentada na mesa da cozinha, de costas para a porta. Ela nem se deu ao trabalho de se virar. A cozinha branca, moderna, de vários níveis, estava cheia de pratos sujos e refeições largadas pela metade, dando a impressão de que a governanta há dias não podia entrar ali. As cortinas estavam abaixadas, e as luzes eram fracas.
“Oi”, disse John, lacônico, quebrando o silêncio. Tomou calmamente um gole de chá, enquanto Cynthia tentava perscrutar-lhe os olhos. Ele parecia meio doidão, como se tivesse ficado viajando a noite inteira, sem ter dormido um minuto. Sua silhueta comprida e magra estava coberta por uma camada de gordura mole, resultado de edemas causados pela droga e de muita dissipação. O cabelo estava pegajoso e emaranhado e ele, de uma maneira geral, parecia que não tomava banho há algum tempo. Por trás dos óculos de aro metálico, as íris eram dois pedacinhos de carvão, e as pálpebras, duas janelas quase caindo. Houve um momento longo de pausa, em que ninguém se mexeu.
Finalmente, Yoko virou-se para olhar para Cynthia. Seria mais apropriado dizer: para confrontá-la. Não havia o menor sinal de um sorriso sem graça, o menos sinal de lampejo de desculpas ou explicação. Inescrutável era, de fato, a perfeita descrição dela naquele momento. Cynthia olhou para Yoko. Puxa, não parecia nem um pouco o tipo que pudesse ganhar o afeto de John. Era uma mulher de olhar severo, que não sorria. Tinha um rosto pálido e oval. Com 36 anos, era oito anos mais velha que John e mais do que só um pouco desajeitada. Não poderia chamá-la de um símbolo sexual. Para cúmulo de tudo, ela no momento era casada e tinha uma filha de seis anos. Olhando para ela, ali, sentada, Cynthia de repente deu-se conta que Yoko Ono não estava apenas usando um roupão de banho, mas o sei roupão de banho. “Oi”, disse Yoko, fria, imperturbável.
Seguiu-se um doloroso silêncio, enquanto um sorriso sardônico cruzava lentamente o rosto de John. Cynthia decidiu agir do único jeito que sabia, do único jeito que vinha agindo durante todos aqueles anos de inesperada loucura com os Beatles: como se nada fora do comum estivesse acontecendo. Num momento quase surreal, ela escutou a própria voz recitando o pequeno discurso que preparara enquanto estava no avião com os companheiros de viagem – que agora estavam parados, mudos, atrás dela, no pórtico da cozinha. “Nós estávamos pensando em sair para jantar fora esta noite”, disse Cynthia, suavemente. “Tomamos o café da manhã na Grécia e almoçamos em Roma, e achamos que seria ótimo se todos jantassem em Londres. “Você quer vir?”
John olhou duro para ela. Por um momento ela se sentiu aterrorizada com ele, com aquela língua afiada feito um sabre que ele tinha, e que se abatia sobre ela com tanta facilidade. Rezou para que ele não a humilhasse mais na frente de Yoko. Ele apenas murmurou: “Não, obrigado.”
Com isso ela se virou e saiu correndo da cozinha. Foi pela casa de aposento em aposento, juntando coisas para botar nas malas, coisas inúteis, lembranças de um casamento que na verdade nunca dera certo. Enquanto Jenny e Magie Alex esperavam por ela no Hall de entrada, ela subiu correndo a escadaria principal para o segundo andar, e passou do vestíbulo para o quarto de dormir, um aposento do tamanho quase da metade de uma quadra de tênis, com armários do chão ao teto, de parede a parede os quartos de vestir dele e dela, e uma cama com quase três metros de largura, na qual ela esperou incontáveis noites que ele voltasse para casa, terminando por adormecer sozinha. No corredor, ela viu os chinelos maltrapilhos de Yoko na porta do quarto de hóspedes. Bem, disse Cynthia para si mesma, pelo menos eles não usaram a cama dela.
No fundo do seu coração, embora ela mal pudesse admiti-lo. Cynthia sabia que o casamento estava condenado desde o começo. Desde o dia em que se conheceram, John lutara contra monstros e demônios que eram só dele, e ela pouco podia fazer para exorcizá-los.
Ela ficou de prontidão, enquanto – no decorrer dos últimos anos – ele conseguia se manter flutuando num turbulento mar de drogas. Aos 28 anos ele era virtualmente um viciado; com raríssimas e breves exceções, ele esteve ligado e/ou bêbado quase todos os dias de sua vida, desde que ela o conheceu. Numa prateleira do solário havia um pilão e um almofariz brancos, de farmácia, onde ele misturava todas as combinações possíveis de bolinhas, barbitúricos ou drogas psicodélicas.
Sempre que se sentia cair das alturas a que o barato o levava, ele lambia o dedo, mergulhava-o nos ingredientes do almofariz e chupava o que vinha. Em algumas de suas viagens de ácido, ele ficava ligado durante semanas, até que todas as cores se apagassem de sua visão e ele visse as coisas em preto e branco.
“O que posso pessoalmente dizer, escreveu Cynthia, é que o processo de dissolução começou no momento em que a maconha e o LSD fizeram sua derrubadora entrada em nossas vidas”. Mas, no final, não foi nem a maconha nem o ácido que tiraram John dela. Foi outra mulher.
Mesmo em suas lembranças mais antigas, havia sempre algumas mulheres atrás de John, ou da carreira dele, ou da sua fama. As mulheres formavam uma galeria que ia desde as típicas tietes até escritoras e artistas de cinema. Poucas semanas antes, John confessa dezenas de infidelidades durante os oito anos do casamento deles, e ela jamais suspeitara de nenhuma delas. Ele alegara que dessa lista fizera parte a cantora Joan Baez (boxe). No entanto parecia que nenhuma delas fora capaz de atrais a atenção dele. Até Yoko chegar. Yoko Ono era diferente, pelo menos era o que parecia. Ela tinha algo que faltava às outras: uma perseverança que beirava a obsessão. A essa altura todo mundo na casa já estava um pouco de saco cheio dela. Depois de ter conhecido John numa exposição de arte em 1966, ela se mostrou inabalável. Cynthia sempre achou que o primeiro erro de John foi dar apoio à arte que ela produzia, e dinheiro também; isso só fez com que ela ficasse sempre atrás dele, em busca de mais.
No princípio ela apareceu nos escritórios da Apple (a empresa produtora dos Beatles) e pediu para falar com ele. Quando lhe disseram que John raramente ia ao escritório, ela foi para cima de Neil Aspinall, amigo fiel e empresário de viagens dos Beatles. E, quando Neil lhe deu um passa-fora, ela se despendurou no pescoço de Ringo Starr, mas Ringo não conseguia entender uma só palavra do discurso críptico daquela artista/poeta, e saiu correndo depressa.
Em seguida veio o assalto ao lar dos Lennon. Começou com uma saraivada diária de telefonemas, e, depois que o número de John já havia sido trocado umas três ou quatro vezes, Yoko passou a enviar dúzias de cartas. Estas a princípio insistiam, depois exigiam, que John apoiasse os projetos artísticos dela. Cynthia interceptou muitas dessas cartas, e começou a guardá-las quando elas se tornaram e desesperadas, para o caso de Yoko chegar a cumprir as ameaças de se suicidar. Segundo Cynthia, Yoko escreveu: “Não posso mais agüentar a barra, você é minha última esperança. Se não me der apoio, então está decidido. Me mato.”
Muitíssimo viva, Yoko começo a ir pessoalmente à casa deles, esperando no portão as entradas e saídas de John. Ela ficava lá desde manhã cedo até o fim da noite, não importa o tempo que fizesse, usando sempre o mesmo suéter preto mulambento e sapatos na última lona.
Por fim, a perseguição de Yoko a John se tornou tão ostensiva que se transformou numa espécie de piada para o casal Lennon. A “grande atrocidade” de Yoko aconteceu uma noite, quando ela apareceu numa sessão de meditação transcendental a que John e Cynthia tinham comparecido, em Londres. Quando a sessão acabou, ela os seguiu até a rua e pulou para o assento traseiro da limusine Rolls-Royce de John, que era pintada à mão em cores e desenhos psicodélicos, e sentou-se bem no meio do casal. Cynthia e John trocaram sorrisos sem graça por cima da cabeça dela, até que o motorista a largou em casa. Quando Yoko saltou do carro, Cynthia estava bastante deprimida com a aparente habilidade daquela mulher em divertir John com seus esquemas malucos. “Talvez seja Yoko que lhe sirva?”, perguntou ela ao marido.
John soltou uma daquelas suas risadinhas curtas e marotas. “Ela? Ela é muito pirada. Não é ela que me serve. Ela é divertida, isso é tudo. Não tenho atração por ela.”
No entanto lá estava ela, seis meses depois, tomando chá na cozinha de Cynthia, parecendo até que era a verdadeira dona da casa.
Alguns dias mais tarde, quando Cynthia voltou a sua antiga casa para pegar mais algumas roupas, houve uma reconciliação das partes. Yoko tinha ido embora – John disse que se enchera dela – e Cynthia foi convidada a voltar se quisesse. Fazia poucos dias que ela voltara quando John disse que teria que ir a Nova Iorque a negócios. Cynthia pediu para acompanhá-lo nessa viagem, mas John disse que estaria muito ocupado. Mais uma vez, John embarcou numa viagem, dessa vez com a mãe dela e com Julian, para Pesaro, na Itália. Relutante, Cynthia deu em John um beijo de despedida – pela última vez.
No dia 9 de março de 1963, aos 21 anos, Paul MacCartney conheceu Jane Asher. Ela tinha 17. Era pura e bela, com seus cabelos de Vênus. Uma pepita de olhos verdes. E, já então, uma atriz de verdade. É exato afirmar que Paul se apaixonou não só pela garota, mas também pela sua imagem. Meninas inocentes e bem-nascidas com Jane Asher eram inacessíveis, até então, para rapazes de Liverpool do tipo de Paul MacCartney. Antes de mais nada Jane era uma genuína virgem. Nascida em 5 de abril de 1946, morava com a família numa enorme town house de cinco andares, em Londres. Seu irmão mais moço, Peter, formara-se em Cambridge. Era o músico e letrista de talento que, pouco mais tarde, formaria a dupla de cantores Peter & Gorden e com a canção World Without Love de MacCartney atingiria o topo das paradas de sucessos, na pegada dos Beatles. Uma noite, Paul perdeu o avião, quando voltava para Liverpool. Mrs. Asher gentilmente lhe ofereceu o quarto de hóspedes. Era tolice, afinal estar sempre gastando dinheiro nos hotéis londrinos. Paul mudou-se de malas, bagagens e guitarra. Ficou dois anos – com direito a todas as bênçãos oferecidas naquele lar. Quatro anos mais tarde, com 25, Paul transformara-se no multimilionário seguro de si, ligeiramente pedante, alinhado – em suma, no ídolo de sua geração. Fora chamado várias vezes de gênio e – muito justamente – acreditou nisso com a mais profunda das convicções. Tinha aparentemente tudo, em casa. Uma namorada linda e famosa. Uma belíssima cadela pastora, Martha. Uma casa estupenda, que aos poucos ela ia se enchendo de desenhos originais de Aubrey Beardsley. (Os álbuns de platina foram mandados para a casa do pai). Paul tinha tudo menos uma coisa que todo inglês do norte quer muito: esposa e filhos. Apesar de todo o glamour e a perfeição de sua vida conjugal, Jane Asher jamais aceitaria esse papel. Paul continuava loucamente apaixonado. Para ele, ela representava Here, There and Everywhere. Era muito mais do que a musa inspiradora das canções. Só Jane parecia possuir algum controle sobre Paul. Só ela sabia esvaziar aquele ego impossível, sem lhe destruir o orgulho. Só ela sabia devolver a Paul a grande qualidade que o sucesso destruíra: a humildade. Jane amava Paul, mas sua vida não poderia resumir-se a ele. Não podia viver na sombra de um Beatle. Embora tivesse anunciado oficialmente o noivado, e até realizado uma festa em benefício dos parentes de Paul, em Liverpool, ele jamais conseguiu que ela fixasse data para o casório. Enquanto isso, Jane dava duro em sua carreira teatral. Seu nome crescia de mês para mês. Já era a ingênua no elenco principal do Old Vic. Em 1968, ao fim de cinco anos, o romance de Paul MacCartney e Jane Asher estava acabando. No dia 12 de maio, Paul e John foram a Nova Iorque encontrar-se comigo (Peter Brown) e outros executivos da Apple, a companhia produtora dos Beatles. A viagem – uma campanha publicitária de cinco dias – compreendeu, entre outras coisas, uma aparição no programa de televisão Tonight Show, com Johnny Carson e um público telespectador calculado em 25 milhões.Após o programa, Paul saiu para encontrar-se com Linda Eastman. Eu conhecera Linda um ano antes, em Nova Iorque, onde ela iniciava uma carreira de fotógrafa do Rock – e onde era muito mais conhecida como uma ardosa tiete. Eu a apresentara a Paul. Durante uma coletiva à imprensa, naquele dia, Linda aparecera e, sem a menor cerimônia, deu a Paul um bilhetinho com seu número de telefone.
Paul tem um ego terrível, que só Jane Asher sabia manobrar. Mas ela logo se cansou. Com Linda Eastman, ele se permitiu várias extravagâncias e alcançou, com o sobrenome dela, o status com que sempre sonhou.
Ele lhe telefonou, fez planos para vê-la de noite. Mas tinha medo de serem fotografados juntos, se Linda fosse à sua suíte de hotel (e Jane Asher acabar vendo as fotos). Por isso, combinou encontrar-se com Linda no apartamento de um amigo, onde os dois acabaram ficando vários dias juntos. Uma noite, quando Paul lhe disse o quanto gostava de crianças, linda mostrou-lhe sua filha Heather, de seis anos. Paul, radiante, ficou como baby-sitter da menina, quando a mãe foi fotografar um concerto de rock no teatro Fillmore. No fim da semana, Paul voltou para Londres e Linda lhe mandou uma ampliação enorme do rosto dele, com os lábios franzinos. Em cima, superposta, uma foto de Heather beijando Paul. Poucas semanas mais tarde, o Beatle estava de volta aos EUA acompanhado de Ron Kass, gerente da Apple Records. A viagem foi feita expressamente para que Paul falasse num simpósio de fabricantes de discos organizado pela Capitol, em Los Angeles, Paul encontrou tempo para se divertir num bangalô do hotel Beverly Hills. Encenou, naquele fim de semana, o que Ron Kass batizou de Show da Troupe Preta – e – Branca de Paul MacCartney. Num dos quartos Paul instalou uma linda estrelinha. No outro, uma das call girls negras mais famosas de Los Angeles. Kass, que dividia com Paul o bangalô de três quartos, presenciou um espetáculo de malabarismo. Viu Paul passar o fim de semana viajando de um quarto para o outro e só parando para assinar as contas do room-service. Na manhã de domingo, o telefone tocou, interrompendo as funções. Era Linda Eastman. Ela voara até a Califórnia, por iniciativa própria, e naquele momento estava ali no saguão do hotel, falando com Paul através do orelhão. Paul nem vacilou. Disse-lhe que viesse direto para o bangalô. Minutos mais tarde, ela apareceu. Paul lhe ofereceu o sofá, à entrada. Em seguida, bateu às portas de cada quarto ocupado e disse-lhe que se vestissem e se mandassem. Ficou conversando descontraidamente com Linda, no sofá, enquanto o troupe Preta – e – Branca fez as malas e saiu chorando. Linda e Paul não poderiam ter sido mais informais, diante da situação.Também reagiram como verdadeiros Blasés quando Paggy Lipton, atriz americana que na época fazia a popularíssima telessérie Mod Squad, apareceu à porta do bangalô para declarar amor a Paul. O Beatle explicou que estava ocupado e bateu-lhe com a porta na cara. Quando Paul chegou a Londres, de volta, Linda promoveu uma verdadeira campanha transatlântica de telefonemas e cartas – mas pouca coisa uma garota podia fazer para prender a atenção de Paul e quase cinco mil quilômetros de distância. Além disso, Paul suspirava por Jane. Esperava-a de volta de uma turnê. E se mantinha na sua, enquanto isso. Um dia, no verão de 1968, uma americana de Nova Jersey, chamada Francie Schwartz, apareceu no edifício da Apple. Usava Jeans, não estava maquilada e seus cabelos precisavam urgentemente de uma lavagem, segundo Barbara Bennett, a secretária que a atendeu. Tal como milhares de outras jovens, trazia uma carta e um script para Paul. Barbara, em geral, mandava essas meninas embora. Mas por algum gesto inexplicável de gentileza, resolveu dizer a Francie Schwartz que voltasse, à tarde. Paul estaria lá. A garota que voltou, horas mais tarde, era completamente diferente da maltrapilha da manhã. Francie havia comprado um vestido e ido ao cabeleireiro. Barbara Bennett apresentou-a a Paul, e ele a levou-a para sua sala. À noite, os dois saíram juntos, para coquetéis e jantar, e passaram a noite na casa dele.
A noite de Joan (Baez) na cama de John (Lennon)
As celebridades geralmente são notadas pelo que fazem e não pelo que deixam de fazer. Daí a curiosidade deste episódio entre John Lennon e Joan Baez, contado pela própria Juan em recente entrevista a Rolling Stone. Apesar de ter ficado famosa muito antes dos Beatles, Juan já era fã incondicional dos rapazes quando eles atravessaram o atlântico para a conquista da América. E, um belo dia, a turnê dela cruzou com a turnê deles (imaginem só, num buraco do colorado chamado Red Rocks) e la Baez foi apresentada aos Fab Four. Quando a excursão dela terminou, Joan agregou-se à caravana maluca dos liverpudlianos e foi parar com eles em Los Angeles. Lá, os Beatles se instalaram em Bel Air. Ao cair da noite, abriram-se as portas para as tietes, e logo formaram uma ruidosa multidão na sala de estar. Segundo Joan, era um verdadeiro self-service sexual: o Beatle descia de seus aposentos e escolhia a tiete que mais lhe agradasse para – vocês sabem...Em meio a toda essa confusão, a pobre Joan, meio esquecida num canto, foi salva por John Lennon. Ao saber que ela não tinha onde dormir, John convidou-a para o seu quarto. Segundo, Joan, “havia lá uma cama do tamanho de uma piscina e eu disse a ele: ‘Bem, John, quando você quiser dormir, pode usar a outra metade da cama, tá legal?’ Eu não queria pressioná-lo, porque sabia como os Beatles eram solicitados sexualmente o tempo todo”. Joan adormeceu e acordou no meio da noite, quando John voltava ao quarto. Lennon se aproximou dela, meio constrangido, como quem se sente obrigado a transar. Joan então falou: “Deixa pra lá, John, você deve estar tão cansado como eu. Não precisa provar nada para mim.” E Lennon, com um suspiro: “Maravilha! Isto é um alívio...porque o que eu tive de transar lá embaixo com aquelas tietes não está no gibi...” E foram dormir, inocentes como duas crianças.
Roberto Muggiati
Na mesma semana, Paul requisitou um emprego para Francie, na Apple, e, apesar de ressentimentos gerais, ela acabou instalada numa escrivaninha num canto do departamento de publicidade. Três semanas se passaram, Francie não fazia nada de especial, além de namorar Paul. Parecia firmemente radicada na firma, até que, uma noite, Jane apareceu inesperadamente. A turma regular de tietes que fazia ponto em frente à casa de Paul (quando ele estava em casa) tentou avisá-lo pelo telefone interno. Ligou. Mas ele pensou que fosse brincadeira, quando lhe disseram que Jane voltara da excursão e estava abrindo a porta naquele momento com sua chave. E tal como acontecera com Cynthia Lennon, antes, Jane também descobriu outra mulher em seu roupão de banho. Jane saiu em disparada, momentos depois, do automóvel. A Sra. Asher veio mais tarde apanhar as roupas, os pratos e as panelas da filha. Desde então Jane mal voltou a ver ou a falar com Paul. Os anos se passaram e ela se ressentiu cada vez mais de sua associação com ele. Sempre se recusou a discutir o assunto em público. Hoje, é uma das atrizes inglesas mais conceituadas. É casada com o caricaturista político Gerald Scarfe, com quem mora em Londres. Tem um filho e uma filha. Francie Schwartz logo foi mandada embora. De volta aos EUA, escreveu um livro sobre seu ligeiro caso com Paul, intitulado Body Count e impresso pela Rolling Stone Press. Linda Eastman continuou a telefonar e a escrever. No início do outono convidou-a a ir a Londres, para conhecer sua casa. Ela nunca mais saiu.
Pattie Harrison sentia-se frustrada. Em 1972, após seis anos de casamento com George, jamais se realizara. Estava parada no tempo, aos 26 anos: proibida de seguir uma carreira própria e, quase sempre, isolada na lúgubre mansão do casal, a 50 quilômetros de Londres. Pattie queria muito criar família. Mas jamais engravidou. George era, então, o único Beatle sem filhos. Por estranho que pareça, o fato o constrangia. Ele e a mulher submeteram-se a exames de fertilidade. George, ao discutir o problema com alguns amigos íntimos, disse que o problema do ponto de vista médico, era dele mesmo. Mas suspeitávamos que não era verdade. Que o problema era de Pattie. Que George estava apenas sendo cavalheiro e assumindo a culpa. (Mais tarde George ganhou um filho, Dhani, de seu segundo casamento. Pattie, até hoje, não teve nenhum). Ela queria adotar. Ele se recusou. Tiveram discussões esquentadas por causa disso. E Pattie começou a fugir, passando noites em Londres. Sua arma mais forte contra George era justamente o melhor amigo dele, desde a dissolução dos Beatles: Eric Clapton, cuja carreira estava então em escalada. Clapton se tornara talvez o guitarrista virtuose mais admirado do rock. E já há muito tempo estava loucamente apaixonado por Pattie – isso era evidente aos olhos de quem os via juntos, inclusive George. Ele se derretia no mais atroz romantismo, na presença dela. No momento em que se sentiu infeliz no seu relacionamento com George, Pattie estimulou os desejos do atraente e romântico guitarrista. Começo a manipular a paixão de Eric, a fim de controlar e irritar George. “Ela me usou, sabe?”. Reconhecera Clapton, mais tarde, “e eu me apaixonei loucamente!”.
A paixão acabou consumindo Eric, que se retirou para sua mansão de baronete (Hurtwood Edge) e começou a tomar heroína na veia, a fim de aliviar seus sofrimentos. Trancado ali, durante meses, acabou desgastado e envelhecido pelos efeitos da heroína. Naquela época, leu o grande poema persa de amor, Layla e Majnum, de Nazimi, sobre o amor obsessivo entre um homem atormentado e uma mulher casada. Pattie ficou sendo a sua Layla. Enquanto isso, a saúde decaía perigosamente. Eric viajou para Miami para gravar sua linda e sofrida obra-prima, Layla, dedicada a Pattie – talvez a canção de amor mais apaixonada da era pop. Mas, enquanto o disco subia nas paradas, a heroína descia-lhe pelas veias, em Hurtwood Edge. Durante o verão de 1971, George recebeu elogios no mundo inteiro por seu Concerto para Bangladesh, realizado em 1º de agosto, no Madison Square Garden de Nova Iorque. Esse espetáculo de caridade foi organizado com a finalidade de angariar fundos para a população faminta do Paquistão devastado pela guerra.
George convidou uma lista impressionante de superstars para aparece no palco em sua companhia: Ringo, Leon Russell, Ravi Shankar e, como convidado surpresa, Bob Dylan. Até Eric Clapton, apesar de doente, conseguiu aparecer.
Harrison convidara também os outros Beatles. Mas Paul se recusou, sumariamente. Não quis confundir o público com o que poderia aparentar ser uma reunião dos Beatles. John aceitou o convite e viajou para Nova Iorque com Yoko, hospedando-se no Hotel Park Lane. Na manhã do concerto, Jonh e Yoko brigaram feio. Ao ligar para George, John ficou furioso quando soube que George não queria Yoko no palco. George achava que seria um insulto aos grandes do rock’n’roll dividir o mesmo palco com a mulher de John. Lennon ficou tão zangado que saiu do hotel 15 minutos depois de entrar e pegou o primeiro vôo de volta para Londres. Yoko ficou e só foi encontrá-lo 48 horas mais tarde. O relacionamento entre George e Pattie acumulou tanta força explosiva que carregou junto consigo o casamento de Ringo e Maureen.
George enganava Pattie freqüentemente, por volta de 1973. Não seria errado dizer que ele voltar ao seu velho estilo de dom-juan. Parecia querer seduzir toda mulher que lhe aparecia pela frente. Numa história revelada aqui pela primeira vez, um dos objetos das conquistas de George foi a mulher de Ringo, Maureen. Mas o motivo que o levou de repente a querer transar com a mulher de um dos seus melhores amigos – conhecendo-a, então, há dez anos – é algo que continua inexplicável.
Certa noite Maurren e Ringo convidaram George e Pattie para jantar na casa deles. Depois e uma suculenta refeição, regada com muito vinho, todos ficaram sentados à volta da mesa, com George dedilhando sua guitarra e cantando canções de amor. De repente, ele descansou a guitarra e disse num ímpeto que estava apaixonado por Maureen.
Os demais ficaram emudecidos. Maureen enrubesceu até a raiz dos cabelos e balançou a cabeça, Ringo esbravejou e Pattie explodiu em lágrimas, trancando-se no banheiro. Pouco depois os Harrison saíram.
Poucas semanas depois, Pattie – que voltava de uma orgia de compras pelas lojas de Londres – chegou em casa e encontrou, segundo se diz, George na cama com Maureen, da mesma forma como Cynthia Lennon e Jane Asher encontraram seus homens com outras mulheres. Nem Maureen nem Pattie jamais confirmarão que este incidente na verdade aconteceu, mas nenhuma das duas tampouco jamais o negará. O que Pattie diz a respeito: “Não quero arranjar complicações para ninguém.”
Mais tarde, quando perguntaram a George por que, entre todas as mulheres do mundo, ele escolhera a esposa do grande amigo, ele deu de ombros e disse: “Incesto.” (Ringo e Maurren se divorciaram em 1975, após 10 anos de casamento. Tinham três filhos.)
Como vingança pela gracinha de George, Pattie começou a levar uma vida independente e a seguir sua própria carreira, contra a vontade explícita do marido. Concordou em trabalhar como modelo de novo, teve seu primeiro caso extra conjugal (com Ron Wood, guitarrista do grupo Faces, atualmente tocando com os Rolling Stones), e não muito tempo depois fez as malas e partiu enquanto George estava tirando umas férias, o que George nunca questionou. Pattie deixou a própria Inglaterra por uns tempos, e foi se estabelecer em Los Angeles com a irmã Jenny, que se casara com o astro de rock Mick Fleetwood. Não era coincidência o fato de que Eric Clapton também estava morando nos EUA, em Miami. Clapton conseguira uma recuperação quase miraculosa da heroína. Amigos que se preocupavam com ele levaram-no à Dra. Margaret Petterson, que obtivera resultados promissores no tratamento dos viciados em heroína com acupuntura elétrica. Isso, ao que se diz, não somente aliviava a dor da retirada da heroína, mas era uma ajuda inestimável para manter a pessoa longe da droga.
Clapton, estimulado por narrativas do rompimento do casamento de Harrison, fez o tratamento da Dra. Petterson. Finalmente, em 1973, ele estava limpo quando gravou seu álbum de retorno, 461 Ocean Boulevard. O álbum foi um sucesso enorme e deu a Clapton a confiança necessária para se lançar numa turnê pelos EUA e Inglaterra. Quando ele partiu em turnê, Pattie juntou-se a ele no caminho, e ficaram juntos desde então. Casaram-se finalmente em 27 de março de 1979, mas isso foi apenas uma formalidade, pois raramente duas pessoas estiveram tão profundamente ligadas uma à outra. Até hoje eles continuam a ser tão românticos e alegres quanto eram no começo.
Em meados doa anos 70, nos escritórios da A & M Records, George conheceu uma secretária de 27 anos, nascida no México, chamada Olivia Trinidad Arias. Ela era doce, morena e bonita, e não custou muito para que ele se apaixonasse por ela. O relacionamento de George com Olivia foi provavelmente a primeira vez em que ele, em toda a sua vida, esteve realmente apaixonado por alguém, e não simplesmente empolgado com uma copiazinha qualquer de Brigit Bardot. Ela se mudou com ele para uma casa alugada em Beverly Hills e mais tarde os dois viajaram para o Havaí e para Londres. Já estavam juntos há aproximadamente quatro anos quando Olívia, para extremo prazer de George, deu à luz ao primeiro filho deles, que se chamou Dhani, em 1º de agosto de 1978. George e Olivia se casaram um mês depois, numa cerimônia discreta em sua casa na Inglaterra.
Olivia permanece uma figura distante de todos os associados de George. Ele protege muito cuidadosamente seu relacionamento com ela. Ela é mantida longe da vida de celebridades e só é apresentada aos amigos mais íntimos dele. Levam uma vida sossegada em seu lar britânico, com muito tempo livre para brincar com Dhani ou para trabalhar no jardim.
Não obstante, George parece não muito contente. Tal como com os outros Beatles, há algo que o corrói. O primeiro pensamento é que é a falta que sente dos seus antigos companheiros, ou a perda da glória de ser um Beatle, mas na verdade é justamente o contrário. Tratava-se provavelmente da sombra onipresente dos quatro meninos de ouro de sempre em cima de tudo o que ele faz.
Infelizmente, George já não grava muito. Ele recentemente desenvolveu uma tendência por carros de corrida e pilotou em diversas promoções de caridade. É o terceiro Beatle mais rico e se tornou um grande e bem-sucedido produtor de cinema. Um de seus investimentos mais lucrativos foi a comédia de Monty Python The Life of Brian, que ele ajudou a realizar, participando dos custos, que foram ,5 milhões de dólares. Até o momento em que este livro estava sendo escrito, o filme já tinha rendido 70 milhões de dólares.
Em 1981 George publicou uma edição de sua autobiografia, exorbitantemente cara, encadernada em couro, através de um pequeno e muito exclusivo editor de Londres. O volume é na maior parte composto de reproduções a cores de desenhos acompanhando as letras originais de suas canções, além de algumas fotografias, mas pouco texto de valor. Em suas reminiscências dos dias com os Beatles, ele omite qualquer referência a John Lennon, como se ele nunca tivesse existido. Houve um dia, há muito tempo, em que o jovem adorava tanto John que o seguia onde quer que ele fosse, se vestindo e se penteando igual a ele. Depois, os dois não tinham nada que dizer um ao outro durante os cinco últimos anos da vida de John.
A VIDA ESCANDALOSA DOS BEATLES - II
O primeiro capítulo desta série de três, publicado na semana passada, falava das aventuras e desventuras amorosa e sexuais dos Beatles. Continuando esta condensação do livro The Love You Make, apresentamos relatos inéditos sobre as relações do famoso conjunto com as drogas, inicialmente a maconha, a que foram introduzidas por Bob Dylan, e depois coisas mais pesadas, como a heroína - no caso de John. E também o malogro sofrido pelos quatro na Índia, quando caíram no conto do misticismo, representado pela figura dúbia do Maharishi Mahesh Yogi.
Em 28 de agosto de 1964, em evento ligeiro mas auspicioso ocorreu no Hotel Delmonico, de Nova Iorque, que iria afetar a cosnciência de mundo: Bob Dylan fez os Beatles experimentarem Marijuana pela primeira vez na vida. Antes disso, eles rejeitavam a macanha até com paixão; no que lhes dizia respeito, os que fumavam maconha eram viciados, para eles na mesma categoria dos viciados em heroína. Pouco depois da conversão feita por Dylan, eles começaram a compor sob o efeito da erva.Dylan lhes forneceu a chave que abriria uma porta para uma nova dimensão na música pop, e eles levaram a juventude do mundo inteiro a cruzar essa porta com eles.
John Lennon há muito tempo esperava conhecer Bob Dylan, apesar de não tanto quanto desejava conhecer Elvis Presley. Para John, Elvis era um Deus que atingira um grau indescritível de santidade. Dylan era um contemporâneo, e para John, apenas um outro competidor, apesar da pontada de inveja que John sentia pelo dom que Dylan tinha para construir suas letras. Fazia pouco tempo que John começara a sentir um interesse especial em escrever suas próprias letras; sua primeira canção introspectiva, autobiográfica, foi Ill Cry Instead, feita para a trilha sonora do primeiro filme dos Beatles, A Hard Day’s Night (Os Reis do Iê-iê-iê), mas que não chegou a ser editada.
Eles foram apresentados por um amigo comum, o escritor Al Aronowitz, que foi um dos primeiros jornalistas a verdadeiramente escrever sobre música pop. Aronowitz fizera amizade com John na primavera anterior, em Londres, enquanto escrevia sobre ele para o Saturdey Evening Post. Nessa época John disse a Aronowitz que gostariad e conhecer Bob Dylan, mas somente “em seus próprios termos”, pois John achava que se tornara seu “ego gêmeo”. Naquele 28 de agosto, depois de ter tocado no Forest Hill Tennis Stadium, e depois das caras sorridentes dos Beatles terem aparecido na capa do Life, John estava pronto. Aronowitz chegava de Woodstock, com Dylan, numa perua Ford azul, dirigida por Victor Mamoudas, empresário das turnês de Dylan e seu grande amigo pessoal. No lobby do hotel se viram cercados por uma escolta de dois policiais que os acompanhou até o andar dos Beatles.Quando a porta do elevador se abriu, Dylan e companhia ficaram chocados de ver ainda mais policiais, além de uma dúzia de pessoas conversando alegremente e tomando drinques. Deste grupo, que esperava para poder entrar na suíte dos Beatles, faziam parte vários repórteres, disc-jockeys e os grupos The Kingston Trio e Peter, Paul e Mary.
Dylan era mais baixo do que os rapazes pensavam. Após desajeitadas apresentações, oficiadas pelo empresário Brian Epstein, a tensão e o embaraço naquele quarto eram palpáveis. Brian levou os convidados até o living, numa tentativa de evitar que a noite naufragasse. Ele perguntou a Dylan e amigos o que gostariam de beber, e Dylan respondeu: “Vinho barato.”
Enquanto alguém foi arranjar o vinho, mencionou-se obliquamente que havia algumas pílulas estimulantes em disponibilidade, mas Dylan e Aronowitz reagiram fortemente contra essa idéia.
Ambos eram na época convictamente antiquímicas, especialmente bolinhas. Já os Beatles tomavam esses estimulantes, nem tanto como drogas, mas como um auxílio para segurar a barra de intermináveis compromissos artísticos e sociais. Em lugar das pílulas, sugeriu Dylan, talvez eles gostassem de experimentar algo orgânico e verde, nascido do doce e macio seio da Mãe Terra.
Brian e os Beatles olharam uns para os outros com apreensão. “Nunca fumamos maconha antes”. Brian finalmente admitiu.
Dylan olhou, sem acreditar, de um rosto para o outro. “Mas e a canção de vocês?”, perguntou. “Aquela em que vocês dizem que ficam altos?”
Os Beatles estavam estupefatos. “Que canção?”, John conseguiu perguntar.
Dylan disse: “Você sabe...”, e em seguida cantou: “And when I toutch you I get high, I get high, I get high...”
John enrubesceu de tanto constrangimento. Dylan se referia ao grande sucesso da primeira fase dos Beatles, I Wanna Hold Your Hand. “As palavras não essas”, disse John. “São ‘I can’t hide, I can’t hide, I can’t hide’...” O embaraço era total. A confusão de Dylan entre I can’t hide e I get high (não consigo entender e fico alto) demonstrava que fora traído pelo subconsciente, ou talvez fosse aquilo que em língua inglesa se chama wishful thinking, e que poderia ser traduzido, com alguma dificuldade, por pensamento tendencioso.
Dylan resolveu quebrar a tensão acendendo o primeiro baseado. Após dar instruções sobre como se devia fumar, passou-o para John, John pegou o bagulho, mas estava com medo de ser o primeiro a experimentar, e passo-o para Ringo, a quem chamou de “meu provador real”. Ringo mandou ver, e queimou o baseado inteiro sozinho, enquanto Dylan e Aronowitz enrolavam mais uma meia dúzia.
Ringo começou a rir primeiro, provocando a liberação dos outros. Tal como a maioria dos que fumam maconha pela primeira vez, eles achavam muita graça nas coisas mais triviais. Dylan ficou olhando durante horas enquanto os Beatles estouravam de rir, Às vezes com algo autenticamente engraçado, mas na maioria dos casos com pouco mais que um olhar, uma palavra ou uma pausa na conversa. Meses depois, “vamos rir um pouco” virou código para “vamos fumar maconha”.
A ordem no barato: os Beatles se tornam membros muito loucos do Império
Em 15 de junho de 1965, os nomes dos Beatles foram incluídos na Lista de Honra do Aniversário de Sua Majestade, a Rainha Elizabeth. Eles iam receber a comenda de Membros do império Britânico, uma honraria espantosa para um grupo de rock – ou para qualquer pessoa na faixa dos 20 anos de idade. “Existe alguma coisa mais importante do que isto?”, perguntou seu agente Brian Epstein. Houve uma certa surpresa pelo fato de o próprio Brian não ter sido escolhido para a insígnia, já que seu nome era praticamente sinônimo dos Beatles, aos olhos do povo britânico. Ele deduziu que havia ficado fora por ser judeu e homossexual. Paul, George e Ringo ficaram entusiasmados com a grande honra. Mas John Lennon, não. Odiou a idéia de virar Membro do império Britãnico. A realeza e a estrutura de classes na Inglaterra sempre estiveram entre os seus alvos favoritos, e a idéia de cerrar fileiras encheu-o de culpa e revolta. Ao ser informado da honraria, numa carta pessoal do porta-voz da rainha, John ficou tão contrariado que atirou a carta a uma pilha de correspondências de fãs e jamais a respondeu. Brian, porém, insistiu numa resposta e aceitou cortesmente em nome de John. No dia da investidura, uma das maiores multidões – e das mais jovens – em toda história cercou o Palácio de Buckinghan, gritando “Deus salve os Beatles!” O quarteto entrou muito louco, tal como havia participado – muito cheio de maconha – das filmagens de Help! (Socorro). No dia da cerimônia, John escondeu vários cigarros em suas botas. Pouco antes da entrega os quatro foram para um banheiro pequeno que dá para uma ante-sala particular e deram uns tapas, tentando expelir a fumaça por uma janelinha. John trouxera um baseado extra, na esperança de encontrar o Príncipe Charles, que na época tinha 16 anos e era, sem dúvida, fã dos Beatles. Charles não foi encontrado em parte alguma e a história jamais saberá o que poderia ter acontecido se outros houvessem se encontrado naquele dia. Em 1969, Lennon ditou uma carta para a rainha, dizendo: “Sua Majestade, estou devolvendo esta Ordem do Império Britânico em protesto contra o envolvimento da Grã-Bretanha no conflito Nigéria/Biafra, contra o nosso apoio aos EUA no Vietnã e contra a queda de Cold Turkey na parada de sucessos. Com amor, John Lennon.” (Cold Turkey era o disco mais recente de Lennon, descrevendo sua tentativa de largar a heroína).
Em 28 de agosto de 1964, em evento ligeiro mas auspicioso ocorreu no Hotel Delmonico, de Nova Iorque, que iria afetar a cosnciência de mundo: Bob Dylan fez os Beatles experimentarem Marijuana pela primeira vez na vida. Antes disso, eles rejeitavam a macanha até com paixão; no que lhes dizia respeito, os que fumavam maconha eram viciados, para eles na mesma categoria dos viciados em heroína. Pouco depois da conversão feita por Dylan, eles começaram a compor sob o efeito da erva.Dylan lhes forneceu a chave que abriria uma porta para uma nova dimensão na música pop, e eles levaram a juventude do mundo inteiro a cruzar essa porta com eles.
John Lennon há muito tempo esperava conhecer Bob Dylan, apesar de não tanto quanto desejava conhecer Elvis Presley. Para John, Elvis era um Deus que atingira um grau indescritível de santidade. Dylan era um contemporâneo, e para John, apenas um outro competidor, apesar da pontada de inveja que John sentia pelo dom que Dylan tinha para construir suas letras. Fazia pouco tempo que John começara a sentir um interesse especial em escrever suas próprias letras; sua primeira canção introspectiva, autobiográfica, foi Ill Cry Instead, feita para a trilha sonora do primeiro filme dos Beatles, A Hard Day’s Night (Os Reis do Iê-iê-iê), mas que não chegou a ser editada.
Eles foram apresentados por um amigo comum, o escritor Al Aronowitz, que foi um dos primeiros jornalistas a verdadeiramente escrever sobre música pop. Aronowitz fizera amizade com John na primavera anterior, em Londres, enquanto escrevia sobre ele para o Saturdey Evening Post. Nessa época John disse a Aronowitz que gostariad e conhecer Bob Dylan, mas somente “em seus próprios termos”, pois John achava que se tornara seu “ego gêmeo”. Naquele 28 de agosto, depois de ter tocado no Forest Hill Tennis Stadium, e depois das caras sorridentes dos Beatles terem aparecido na capa do Life, John estava pronto. Aronowitz chegava de Woodstock, com Dylan, numa perua Ford azul, dirigida por Victor Mamoudas, empresário das turnês de Dylan e seu grande amigo pessoal. No lobby do hotel se viram cercados por uma escolta de dois policiais que os acompanhou até o andar dos Beatles.Quando a porta do elevador se abriu, Dylan e companhia ficaram chocados de ver ainda mais policiais, além de uma dúzia de pessoas conversando alegremente e tomando drinques. Deste grupo, que esperava para poder entrar na suíte dos Beatles, faziam parte vários repórteres, disc-jockeys e os grupos The Kingston Trio e Peter, Paul e Mary.
Dylan era mais baixo do que os rapazes pensavam. Após desajeitadas apresentações, oficiadas pelo empresário Brian Epstein, a tensão e o embaraço naquele quarto eram palpáveis. Brian levou os convidados até o living, numa tentativa de evitar que a noite naufragasse. Ele perguntou a Dylan e amigos o que gostariam de beber, e Dylan respondeu: “Vinho barato.”
Enquanto alguém foi arranjar o vinho, mencionou-se obliquamente que havia algumas pílulas estimulantes em disponibilidade, mas Dylan e Aronowitz reagiram fortemente contra essa idéia.
Ambos eram na época convictamente antiquímicas, especialmente bolinhas. Já os Beatles tomavam esses estimulantes, nem tanto como drogas, mas como um auxílio para segurar a barra de intermináveis compromissos artísticos e sociais. Em lugar das pílulas, sugeriu Dylan, talvez eles gostassem de experimentar algo orgânico e verde, nascido do doce e macio seio da Mãe Terra.
Brian e os Beatles olharam uns para os outros com apreensão. “Nunca fumamos maconha antes”. Brian finalmente admitiu.
Dylan olhou, sem acreditar, de um rosto para o outro. “Mas e a canção de vocês?”, perguntou. “Aquela em que vocês dizem que ficam altos?”
Os Beatles estavam estupefatos. “Que canção?”, John conseguiu perguntar.
Dylan disse: “Você sabe...”, e em seguida cantou: “And when I toutch you I get high, I get high, I get high...”
John enrubesceu de tanto constrangimento. Dylan se referia ao grande sucesso da primeira fase dos Beatles, I Wanna Hold Your Hand. “As palavras não essas”, disse John. “São ‘I can’t hide, I can’t hide, I can’t hide’...” O embaraço era total. A confusão de Dylan entre I can’t hide e I get high (não consigo entender e fico alto) demonstrava que fora traído pelo subconsciente, ou talvez fosse aquilo que em língua inglesa se chama wishful thinking, e que poderia ser traduzido, com alguma dificuldade, por pensamento tendencioso.
Dylan resolveu quebrar a tensão acendendo o primeiro baseado. Após dar instruções sobre como se devia fumar, passou-o para John, John pegou o bagulho, mas estava com medo de ser o primeiro a experimentar, e passo-o para Ringo, a quem chamou de “meu provador real”. Ringo mandou ver, e queimou o baseado inteiro sozinho, enquanto Dylan e Aronowitz enrolavam mais uma meia dúzia.
Ringo começou a rir primeiro, provocando a liberação dos outros. Tal como a maioria dos que fumam maconha pela primeira vez, eles achavam muita graça nas coisas mais triviais. Dylan ficou olhando durante horas enquanto os Beatles estouravam de rir, Às vezes com algo autenticamente engraçado, mas na maioria dos casos com pouco mais que um olhar, uma palavra ou uma pausa na conversa. Meses depois, “vamos rir um pouco” virou código para “vamos fumar maconha”.
A ordem no barato: os Beatles se tornam membros muito loucos do Império
Em 15 de junho de 1965, os nomes dos Beatles foram incluídos na Lista de Honra do Aniversário de Sua Majestade, a Rainha Elizabeth. Eles iam receber a comenda de Membros do império Britânico, uma honraria espantosa para um grupo de rock – ou para qualquer pessoa na faixa dos 20 anos de idade. “Existe alguma coisa mais importante do que isto?”, perguntou seu agente Brian Epstein. Houve uma certa surpresa pelo fato de o próprio Brian não ter sido escolhido para a insígnia, já que seu nome era praticamente sinônimo dos Beatles, aos olhos do povo britânico. Ele deduziu que havia ficado fora por ser judeu e homossexual. Paul, George e Ringo ficaram entusiasmados com a grande honra. Mas John Lennon, não. Odiou a idéia de virar Membro do império Britãnico. A realeza e a estrutura de classes na Inglaterra sempre estiveram entre os seus alvos favoritos, e a idéia de cerrar fileiras encheu-o de culpa e revolta. Ao ser informado da honraria, numa carta pessoal do porta-voz da rainha, John ficou tão contrariado que atirou a carta a uma pilha de correspondências de fãs e jamais a respondeu. Brian, porém, insistiu numa resposta e aceitou cortesmente em nome de John. No dia da investidura, uma das maiores multidões – e das mais jovens – em toda história cercou o Palácio de Buckinghan, gritando “Deus salve os Beatles!” O quarteto entrou muito louco, tal como havia participado – muito cheio de maconha – das filmagens de Help! (Socorro). No dia da cerimônia, John escondeu vários cigarros em suas botas. Pouco antes da entrega os quatro foram para um banheiro pequeno que dá para uma ante-sala particular e deram uns tapas, tentando expelir a fumaça por uma janelinha. John trouxera um baseado extra, na esperança de encontrar o Príncipe Charles, que na época tinha 16 anos e era, sem dúvida, fã dos Beatles. Charles não foi encontrado em parte alguma e a história jamais saberá o que poderia ter acontecido se outros houvessem se encontrado naquele dia. Em 1969, Lennon ditou uma carta para a rainha, dizendo: “Sua Majestade, estou devolvendo esta Ordem do Império Britânico em protesto contra o envolvimento da Grã-Bretanha no conflito Nigéria/Biafra, contra o nosso apoio aos EUA no Vietnã e contra a queda de Cold Turkey na parada de sucessos. Com amor, John Lennon.” (Cold Turkey era o disco mais recente de Lennon, descrevendo sua tentativa de largar a heroína).
Eles riram muito, por exemplo, com Brian que ficou dizendo: “Estou tão alto, estou no teto. Estou tocando no teto...” Depois que a fumaça passou, chamaram um camareiro para limpar o quarto dos restos de bebidas e do jantar que eles tinham acabado momentos antes da chegada de Dylan. Tinham risos convulsivos ao menor gesto pobre do garçom.
Paul estava tomado pela “importância” da ocasião. “Estou pensando pela primeira vez”, disse ele, “realmente pensando”. Ele estava tão seguro que produzia em sua cabeça profundas gemas de sabedoria, que pediu a um de seus empresários, Mal Evans, que ficasse sempre junto dele, tomando nota de tudo que dissesse. Segundo Paul, seus pensamentos naquela noite deveriam ser registrados para a posteridade. Evans guardou essas anotações até o dia que morreu em Los Angeles, em 1976. Elas foram confiscadas pela polícia e se perderam junto com alguns outros de seus pertences.
Aquela noite foi o começo de uma longa, se bem que intermitente, amizade com Dylan, e eles combinaram de voltar a se ver em Nova Iorque quando os Beatles terminassem a turnê que os levara aos EUZ.
Foi na primavera de 1965, durante a filmagem de Help!, que John e Cynthia Lennon, George Harrison e Pattie Boyd (mais tarde Harrison), contra a vontade deram um pulo no futuro. George se tornara amigo do dentista dos Beatles em Londres, Eric Cousins (este não é o verdadeiro nome dele). O cuidado com os dentes se tornara uma grande preocupação para os Beatles desde que se tornaram as pessoas mais fotografadas do showbiz de sua época.
Os Beatles achavam que o dentista era uma espécie de gozador chegado a uma orgia, e suspeitavam de intenções amistosas dele, mas depois de muita insistência George e John aceitaram um convite para jantar em seu apartamento.
Os quatro convidados se lembram de ter visto os cubos de açúcar bem arrumadinhos sobre a lareira, no living, assim que entravam, mas ninguém chegou a tocar no assunto. A conversa durante o jantar rolou desde sexo até um cara norte-americano chamado Timothy Leary, que nenhum dos convidados conhecia, exceto John, que já ouvira falar alguma coisa sobre uma droga nova e assustadora chamada LSD.
Depois que o jantar foi consumido e sem explicar o significado do que estava fazendo, o dentista, com certo ar ritualístico, colocou um cubo de açúcar em cada xícara de café servida. Pattie se mostrou relutante em terminar a dela, mas Cousins insistiu que ela tomasse até a última gota.
Quando todo o café já tinha sido tomado, Cousins explicou que acabara de fazer Cynthia e Pattie ficaram tomadas de terror, não porque já compreendessem os efeitos do LSD, mas porque tiveram a impressão de que era algum tipo de afrodisíaco e que uma orgia viesse a acontecer. George, John e as garotas imediatamente pediram desculpas e se prepararam para sair, mas o dentista insistiu que eles permanecessem; não seria seguro estar nas ruas quando o efeito da droga começasse. Mas os Beatles não desistiram de ir embora, e rapidamente vestiram seus casacos, ganhando as escadas. Cousins, preocupado com a segurança deles, seguiu-os de carro com sua namorada. George dirigiu a uma velocidade enlouquecida pelas ruas de Londres tentando livrar-se dele. Cousins conseguiu ficar grudado na traseira do carro de George até Pickwick Club, uma casa noturna então muito popular, aonde eles decidiram ir. Foi no Pickwick que coisas estranhas começaram a acontecer. O salão parecia maior, mas comprido, a luz negra assemelhava-se a uma série de luminosíssimos espocares de fogos. A multidão à volta deles parecia ondular e pulsar, fazendo-os se sentirem tão pouco à vontade que saíram poucos minutos depois. Com Cousins atrás deles, aconselhando-os a voltarem para seu apartamento, os dois casais dirigiram-se para o Ad Lib Club, onde esperavam que o ambiente e as pessoas mais familiares a eles pudessem ajudar a acalmá-los. Durante o caminho Pattie teve que ser segura para não dar vazão a uma compulsão inexplicável de quebrar todas as vitrines das lojas ao longo da rua. Fazia poucos momentos que eles estavam no Ad Lib, quando o dentista, que chegara pouco depois, sentou-se à mesa deles e se transformou num porco, ali mesmo na cadeira.
Eles deram um jeito de sair do clube, deixando o dentista e namorada para trás. George levou todos de carro para sua casa. A viagem de 45 minutos levou horas, porque George não conseguia ir mais rápido que 15km por hora. Cynthia sentada atrás, ficou enfiando os dedos na garganta, na esperança de vomitar os cubos de açúcar. John não conseguia parar de falar. Pattie estava aterrorizada e tendo uma crise de claustrofobia no pequeno automóvel. Quando eles finalmente chegaram à casa de George, trancaram o portão, a aporta e todas as janelas. George pegou sua guitarra e começou a tocar, espantado de ver as notas saírem do instrumento como se fossem tiras de plástico colorido. John se ocupou em fazer uns desenhos. Um era dos rostos dos quatro Beatles dizendo: “Nós todos concordamos com você.”
Pattie e Cynthia não conseguiram dormir, nem estavam tendo alucinações agradáveis. Pattie estava enroscada com seu gatinho no chão do quarto, convencida de que tinha sido transformada permanentemente e que e que nunca mais voltaria a ser a sã Cynthia tinha a esperança de descobrir um meio de se ver livre daquilo, porque estava tomada pela terrível convicção de que o que lhe acontecia era irreversível. As drogas continuaram a desempenhar um importante papel nas vidas dos Beatles, especialmente para John Lennon. Por volta de 1970 a paranóia já era uma constante na vida de Lennon. Drogas e paranóia andavam de mãos dadas, e John estava tomando drogas. Yoko alega que, fosse essa droga qual fosse, não era heroína. Não obstante, era uma droga (possivelmente metadona) que eles achavam necessária. Por volta de junho de 1972, era muito perigoso para John, sob constante vigilância do governo, andar mexendo com droga de novo. (Por causa dos antecedentes de John com o uso de dorgas, e de suas atividades contra a guerra, a administração Nixon estava negando a prorrogação de seu visto de permanência e ameaçando-o de deportação.) Com medo de irem parar num hospital, ou de ficar em seu apartamento, que era espionado, eles se saíram com a idéia extraordinária e ingênua de curtir o seu barato na traseira de uma limusina, numa viagem através do país. Uma vez que George e Ringo estariam em Nova Iorque naquele mês, esperando vê-los, John e Yoko se pegaram nisso como sendo o momento de fugir. Mais tarde John disse a Tony King, que trabalhou para ele, que ele e Yoko tinham vergonha de encontrar George e Ringo na condição em que se achavam. Eles passaram toda uma semana no assento traseiro daquela limusina, viajando pelo país, se escondendo. A identidade do motorista permanece em mistério, mas, ou era um amigo, ou era alguém muito bem pago. Lá pelo meio do verão eles voltaram a Nova Iorque, preparados para encarar o mundo outra vez.
Um LP acima (e abaixo) de muitas suspeitas
As 12 canções do LP Sergeant Pepper Lonely Heart’s Club Band (1967) estabeleceram novos padrões de criação na música pop. Foi gravado em apenas quatro meses, a um custo de 100 mil dólares. Era tão diferente e impressionante que, quando Brian Wilson, dos Beach Boys, o ouviu pela primeira vez, parou de trabalhar em seu próprio álbum, que estava sendo gravado, achando que o disco quintessencial já tinha sido feito.
Muitas canções nesse álbum foram rapidamenteproibidas em muitas estações de rádio por todo o mundo, incluindo a BBC da Inglaterra, por causa de supostas referências ao uso de drogas. A Day in the Life foi proibida na Inglaterra por causa da letra de Paul MacCartney – “found my way upstairs and had a smoke/somebody spoke and I went into a dream” (fui escada acima e dei uma fumada, alguém falou alguma coisa e eu embarquei num sonho) –, uma referência bastante óbvia à maconha; apesar de que, na mesma canção, “for thousand holes in Blackburn, Lancashire” (quatro mil buracos em Lancashire) não tinha nada a ver com as marcas no braço de um viciado, como também se alegou. Ringo realmente canta em With a Little Help from my friends: “I get high with a little help from my friends” (Eu fico alto com uma ajudazinha dos amigos), apesar de que os Beatles alegaram na época que o que eles queriam dizer era “espiritualmente alto, elevado”.
Certamente a sonhadora Lucy in the Sky With Diamonds, de John, com suas “tangerine trees and marmalade skies” “tangerineiras e céus de geléia) foi inspirada numa viagem de ácido, mas foi apenas acidente que o título da canção servisse como anagrama LSD.
Lucy era uma coleguinha de escola do filho dele, Julian, e Lucy in the Sky With Diamonds (Lucy no céu com Diamantes) era uma frase que Julian usou para descrever um desenho dela que ele fez um dia na escola. Da mesma forma, o buraco que Paul estava consertando em I’m Fixing a Hole (Estou Consertando um Buraco) não era no braço de um viciado em heroínas, nem “Henry the Horse” (Henry, o cavalo), de John, no circo surrealista de For the Benefit of Mr. Kite (Em benefício do Sr. Kite), era um código para heroína.
John tirou o nome de um poster de um circo na época vitoriana, que comprara numa loja de antigüidades.
Foi em fevereiro de 1968 que os Beatles me informaram que pretendiam terminar seu curso de meditação transcendental, que começaram em agosto de ano anterior em Bangor, no norte de Gales. Mas desta vez os Beatles tinham concordado com um curso não apenas de dez dias, mas em se retirar para Rishekesh, no remoto e selvagem norte da Índia, para um período de três meses de sérios estudos. O domínio da meditação transcendental, eles esperavam, lhes daria sabedoria necessária para dirigir a Aplle, sua nova empresa.
Em Rishekesh, diziam eles, iriam viver num ashram (nome sânscrito para “lugar de retiro”) – sem tomar drogas nem álcool. Em 16 de fevereiro eles partiram para Rishekesh. O grupo de viajantes consistia de John e Cynthia Lennon, George e Pattie Harrison, Paul MacCartney e Jane Asher, Jenny Boyd (irmã de Pattie), o cantor Donovan e Mal Evans, seu empresário de turnês.
Eles viajaram primeiro de jato para Nova Déli, depois de táxi e de jipe, e eventualmente no lombo de burros. Quando a estrada se tornou impossível até mesmo para os burros, eles percorreram a pé o último quilômetro. Pela primeira vez em muitos anos os Beatles estavam afastados do mundo – e a imprensa afastada dos Beatles. A ausência de notícias sobre o que estava acontecendo no ashram tantalizava o público. Aqui se conta pela primeira vez o que realmente aconteceu nessa “jornada espiritual” dos Beatles. No ashram juntaram-se a eles o Beach Boy Mike Love, o músico de jazz Paul Horn, a atriz americana Mia Farrow, com a irmã, a tia, e o irmão, John, além de uns vinte outros estudantes, menos célebres. No final, o ashram era mais um hotel do que o campo espartano de um guru que os Beatles esperavam. O local de dormir era num complexo de pitorescos bangalôs de pedra, com quatro ou cinco quartos cada um. Os aposentos dos Beatles tinham camas com baldequinos e sólida mobília inglesa. Cada qual era equipado com um moderno banheiro, e havia até aquecedor elétrico para as noites frias. As refeições eram tomadas comunitariamente, numa mesa comprida de madeira escavada e mão, debaixo de uma treliça coberta de parreira, perto dos Ganges. A comida era servida por uma grande equipe de empregados, e preparada numa cozinha completamente moderna, por um chef de primeira qualidade. A casa de Maharishi Mahesh Yogi, pouco distante do resto do conjunto, era uma construção longa, baixa e moderna com sua própria cozinha e equipe de empregados. Havia até uma mulher para fazer massagens diárias nas garotas. O item de luxo excessivo que mais despertava olhares suspeitos era um pátio de aterrissagem para helicóptero usado pelo Maharishi para ir e vir em suas viagens por toda a índia. Este era o homem que George um dia classificou de “não-moderno”. Uma vez estabelecido no ashram, eles começaram a estudar aplicadamente. Acordavam todos os dias ao amanhecer, tomavam café bem cedo e se dedicavam a longas aulas, passando a tarde em sessões de meditação. Todas as noites depois do jantar, sem o auxílio de drogas ou álcool, os rapazes pegavam suas guitarras, à plena luz do luar, para cantar e escrever canções. A quantidade e qualidade das canções compostas na índia eram impressionantes, mesmo para aqueles que os conheciam. Trinta dessas canções fariam parte do próximo álbum. Todo mundo naquele conjunto de bangalôs parecia tomado pela musa. Donovan escreveu uma das suas mais belas canções, Jennifer Juniper, para Jenny Boyd. Os ânimos estavam amorosos e doces. Assim que chegaram, Cynthia se sentiu ferida ao saber que John fizera preparativos para que eles dormissem em quartos separados. John explicou que a distância seria boa para a meditação e que, de qualquer forma, eles estariam se vendo constantemente no pequeno campo. Cynthia recentemente tomara conhecimento da presença de uma pequena japonesa chamada Yoko Ono em suas vidas. Mal podia ela imaginar, no entanto, que John pensara em levar Yoko, em vez ela, com ele para a índia, ou até mesmo levar Yoko, além dela, se tivesse conseguido imaginar um meio de fazê-lo. No décimo dia, Ringo e Maureen voltaram para casa. Disseram aos repórteres que foram recebê-los em Londres, que tinham saído por causa do estômago delicado de Ringo, que não agüentava a comida cheia de especiarias, mas foi porque também eles odiaram o ashram. A cartada final foi a aversão de Maureen a insetos voadores. Todas as noites, antes que Maureen fosse dormir, ela arranjava alguém para matar todos os mosquitos e demais insetos que houvesse no quarto e retirar as carcaças. Paul e Jane agüentaram seis semanas. Paul simplesmente não estava alcançando nada daquilo. Nem sequer acreditando. Mas, quando foram recebidos pela imprensa em Londres, não disseram nada disso, só que tiveram vontade de voltar para casa. John e George, no entanto, permaneceram como verdadeiros fiéis, apesar do crescente ceticismo dos amigos.
O crítico mais severo do Maharishi acabou sendo o amigo de John, Magic Alex. Alex foi chamado para Rishekesh por John, que sentia falta da companhia dele. Quando Alex chegou, ficou boquiaberto com o que viu. “Um ashram como camas de baldequino?”, perguntou ele incrédulo. Também era bastante evidente que John estava totalmente sob o controle do Maharishi. John estava completamente livre do álcool e das drogas há já mais de um mês, quando Alex chegou, e estava com o aspecto mais saudável que podia apresentar nos últimos anos, mas ainda assim Alex sentiu que o Maharishi estava ganhando mais do que estava dando. Alex estava lá há apenas uma semana quando ouviu dizer que o Maharishi esperava que os Beatles depositassem de 10 a 25% do seu lucro anual numa conta suíça em seu nome. Lá pelo final da décima semana, Alex estava determinado a minar a influência do Maharishi. Começo a contrabandear vinho para o conjunto de casas. Os homens não beberam, mas as garotas sim. Tarde da noite, Alex distribuía o vinha às mulheres enquanto John e George escreviam canções. Durante uma dessas sessões de bebida secretas, tarde da noite, uma loirinha bonitinha que era enfermeira na Califórnia, admitiu que, durante uma consulta particular com o Maharishi, ele lhe dera galinha para jantar.
O menu do Maharishi se tornou objeto de grande debate durante toda a semana seguinte, quando se espalhou pelo ashram a história de que alguém acusara o mestre de contrabandear galinha para aquela comunidade vegetariana. Lá pela décima-primeira semana a história ficou pior. A mesma garota confidenciou a Alex que não apenas fora servida galinha, mas que o Maharishi fizera tentativas sexuais para cima dela.
John e Yoko mergulham no inferno da heroína
John e Cynthia Lennon se divorciaram em 1969, e durante muitos meses depois disso John e Yoko Ono viveram de malas na mão, feito vagabundos sem lar. “Andamos um pouco jogados para lá e para cá”, diz Yoko. “Éramos basicamente dois amantes ilícitos sem um lugar para ir”. Eles eventualmente terminaram na antiga casa de Ringo, um típico apartamento de porão londrino.
Foi nesse apartamento, sentindo-se mais do que magoados, quase como foras-da-lei, diz Yoko, que eles começaram a tomar heroína. Na colocação de Yoko, eles tomaram heroína “como uma celebração de nós mesmos
enquanto artistas”. “É claro”, diz Yoko, “que George diz que fui eu quem viciou John em heroína, mas isso não é verdade. John não tomaria nada que não quisesse”. Ainda assim muitos dos íntimos de John viram a heroína como o meio de Yoko passar a ter completo controle sobre John. Se houve um elemento isolado que tenha sido mais crucial na separação de Beatles foi o vício de heroína de John.
“John era muito curioso”, explicou Yoko. “Ele perguntou se eu já experimentara. Disse-lhe que já tinha dado uma cheirada durante uma festa. Eu não sabia o que era. Era uma sensação bonita. Acho que devido a ter sido uma pequena quantidade nem senti, nem me senti mal. Foi só aquela sensação agradável. E foi o que eu disse a ele. Acho que, talvez porque eu tenha dito que não fora uma experiência ruim, isso teve alguma coisa a ver com a disposição dele em experimentar.” Seja lá o que tenha tido a ver, não foi uma coisa passageira, e eles logo estavam viciados. Passaram todo o verão deitados, naquele apartamento, submersos no estupor que se auto-infligiam.
Ele começara pedindo para segurar a mão dela, de modo que seu poder espiritual pudesse fluir entre eles. Logo ficou claro que ele tinha um método mais complicado, mas bastante antigo, para facilitar o fluxo. Em cinco ocasiões diferentes, e para agradar ao “grande mestre”, a garota se deitou, fechou os olhos e ficou pensando na Califórnia, enquanto o pequeno guru ministrava energia em sua carne.
Quando Alex passou essa informação a todas as outras mulheres, elas, com muita razão, ficaram aterrorizadas.
Alex decidiu preparar uma armadilha para o Maharishi. Na próxima incursão da garota à casa do guru, ele preparou diversas testemunhas, que ficariam escondidas nos arbustos embaixo das janelas. Quando o Maharishi começasse com suas bolinagens, a garota gritaria e, e todos entrariam correndo para ajudá-la. John e George desaprovaram fortemente as táticas de Alex, e se recusaram a tomar parte na coisa, mas o plano prosseguiu mesmo assim.
Naquela noite novamente a garota ganhou galinha no jantar, após o que o Maharishi começou sua brincadeirinha predileta, mas por algum motivo ela não pediu socorro conforme planejado. A medida que a cena começou a se desenvolver diante dos olhos de Alex, este provocou um barulho do lado de fora da janela para assustá-lo. Com medo que pudesse ser descoberto, o Maharishi ajeitou as roupas e deispensou a garota imediatamente.
Foi tomada a decisão de se partir no dia seguinte. Alex tinha medo que o Maharishi pudesse tentar bloquear a fuga, recusando-se a ajudar a encontrar transporte. Pouco depois do café da manhã, o Maharishi chegou ao conjunto de casas. Os três homens se levantaram para ir ao seu encontro. John tinha sido escolhido para falar, apesar de odiar a tarefa. “Estamos indo embora, Maharishi”, disse ele.
O homenzinho assumiu um ar doloroso. “Mas por quê?, perguntou.
John não teve coragem de confrontá-lo. Evasivamente, ele disse: “O senhor é o mestre cósmico, o senhor deve saber.”
Alex foi mandado a uma cidadezinha próxima para arranjar táxis. Segundo Alex, tal como ele havia previsto, o Maharishi fizera espalhar pela cidade vizinha que os Beatles não deveriam receber ajuda para partir. Os habitantes fizeram Alex entender que o Maharishi poria uma espécie de maldição sobre eles caso os ajudassem. Ele finalmente conseguiu alugar dois carros velhos e seus respectivos motoristas. Os carros enguiçavam de quilômetro em quilômetro, e o carro de John e Cynthia acabou furando um pneu. Todo mundo ficou achando que o Maharishi os amaldiçoara. Não havia estepe no carro, e enquanto Patty e George prosseguiram para buscar ajuda, John, Cynthia e o motorista ficaram sentados à margem da estrada deserta, num calor infernal, durante mais de três horas, antes que conseguissem uma carona.
De volta a Londres, os Beatles decidiram observar um código de silêncio a respeito do incidente. Decidiram que, se a história fosse toda contada, refletiria de forma altamente negativa sobre eles mesmos.
John, no entanto, foi quem teve a pior reação de todos eles; sentiu-se enganado, usado, e ficou furioso como o diabo. Ele descarregou um pouco de sua raiva numa canção sobre Maharishi, mas à última hora mudou o título para Sexy Sadie, para evitar um possível processo legal.
A VIDA ESCANDALOSA DOS BEATLES - PART III
Talvez o fato de Yoko Ono ter sido a pessoa que estava ao lado de John Lennon quando ele mergulhou de cabeça no mundo das drogas tenha contribuído para que todas as demais pessoas, além de Paul, George e Ringo, ligadas aos Beatles não a amassem, o que imediatamente levou John a entrar numa de que todas a odiava. Isso fatalmente provocaria uma separação. Mas não se pode dizer que tenha sido o elemento único – talvez nem mesmo o preponderante. Pressões comerciais, com as quais eles tiveram que lidar mais diretamente desde que seu empresário Brian Epstein morrera, e desgaste artístico minaram os Beatles, e o LP Abbey Road, que alcançou um tremendo sucesso de vendas, foi na verdade o último produto legítimo dos Beatles como conjunto homogêneo. Quando Let It Be foi feito, a dissolução já era iminente, e ao ser lançado praticamente já não havia mais Beatles. Uma coisa é certa: John e Paul foram as principais forças de ruptura do conjunto, enquanto George e Ringo permaneceram como uma espécie de mediadores nas intermináveis questões que se sucederam entre eles num curto espaço de tempo, a partir de 1969. John e Yoko se metiam nas mais fantásticas aventuras – e fantásticas aí quer dizer mais inacreditáveis do que fabulosas. Faziam declarações confusas aos jornais a respeito de seus projetos de luta pela paz mundial, apoiavam os Panteras Negras, promoviam artistas de vanguarda menores, e acabaram caindo no descrédito geral diante da imprensa. A nível privado as coisas não iam melhor.
Se havia um fato positivo – as tentativas, que acabariam por ser bem sucedidas, de John deixar o vício dos tóxicos -, este era contrabalanceado pelo evento negativo dos sucessivos abortos de Yoko, que lutava para ter um filho de John. Ela obviamente se sentia atingida pelo fato de Cynthia ter ao seu lado o pequeno Julian, permanente elo de ligação com o pai do menino.
Posteriormente Yoko seria agraciada pelo destino com seu próprio bebê, Sean. Mas enquanto isso não acontecia, um episódio foi sintomático de como as coisas estavam acontecendo naquela época. John descobrira as teorias do Dr. Arthur Janov, um dos mais proeminentes terapeutas da chamada new wave em psiquiatria, através do livro que este escreveu, Grito Primal, Terapia Primal A Cura da Neurose. Ele e Yoko, graças a sua fama e fortuna, conseguiram trazer o famoso médico da Califórnia para Londres, onde passou um mês dedicado somente a eles. Foi uma panacéia, mas teve o inestimável valor de despertar em John a vontade de se curar. Após um mês de terapia particular, Dr. Janov convenceu o casal a ir com ele para a Califórnia, para o Primal Institute, em Los Angeles. Os problemas de John com a imigração norte-americana seriam facilmente resolvidos pelo Dr. Janov. Um dos poucos meios que ele teria para poder entrar e permanecer nos EUA era para tratamento médico especializado.
Pouco antes de John e Yoko partirem para a Califórnia, Janov sugeriu que seria bom para a terapia de John se ele resolvesse, um pouco que fosse, o problema de seus sentimentos ambivalentes para com o filho Julian, a quem ele amava, mas ao mesmo tempo rejeitava, uma vez que, para viver sua própria vida com Yoko, ficava meses sem se quer ver o menino. Foi combinado um encontro, e John foi sozinho, em seu Rolls-Royce, até a casa de Cynthia, em Kensington, visitar o filho. “Ele foi surpreendentemente agradável”, relembra Cynthia. “John subiu quase que imediatamente para o quarto de Julian, onde ficaram durante muitas horas brincando juntos. Eu estava radiante, e Julian mais ainda. Mais tarde, John desceu para tomar uma xícara de chá comigo e me contar seus progressos com a terapia primal. Yoko não foi mencionada um só momento. Exatamente aí o telefone tocou. Era a governanta da mansão de John em Tittenshurst Park, histérica porque Yoko estava ameaçando tomar uma superdose de pílulas para dormir porque John estava passando tempo demais comigo e com Julian. John bateu com telefone e gritou: ‘Aquela maluca está ameaçando se matar.’”
Depois disso, todas as comunicações e determinações a respeito de Julian foram feitas através de Yoko Ono. Cynthia nunca mais ouviu o som da voz de John ao vivo.
Se a terapia primal acabou não sendo o elixir mágico que John buscava, foi uma das poucas coisas na época que lhe deixaram valores positivos e uma verdadeira melhora pessoal. A terapia primal o pôs mais em contato com os seus medos e fúrias, com as cargas que ele vinha trazendo nas costas durante toda a vida. Ser capaz de lidar com seus sentimentos de forma tão explícita liberou o artista dentro dele, e muitas vezes ele voltou às telas e pincéis para traduzir suas emoções em termos que entendia melhor. Os resultados são evidentes no primeiro álbum-solo de John, o chamado LP “primal”, John Lennon/Plastic Ono Band. Este álbum foi uma das obras autobiográficas mais poderosas e eficientes produzidas, em qualquer mídia, por um artista moderno. John utilizou o estúdio para um exorcismo musical. De todo LP, a música que fez maior sucesso comercial foi uma canção chamada God (Deus), uma litania simples das desilusões de John. Ele canta:
Se havia um fato positivo – as tentativas, que acabariam por ser bem sucedidas, de John deixar o vício dos tóxicos -, este era contrabalanceado pelo evento negativo dos sucessivos abortos de Yoko, que lutava para ter um filho de John. Ela obviamente se sentia atingida pelo fato de Cynthia ter ao seu lado o pequeno Julian, permanente elo de ligação com o pai do menino.
Posteriormente Yoko seria agraciada pelo destino com seu próprio bebê, Sean. Mas enquanto isso não acontecia, um episódio foi sintomático de como as coisas estavam acontecendo naquela época. John descobrira as teorias do Dr. Arthur Janov, um dos mais proeminentes terapeutas da chamada new wave em psiquiatria, através do livro que este escreveu, Grito Primal, Terapia Primal A Cura da Neurose. Ele e Yoko, graças a sua fama e fortuna, conseguiram trazer o famoso médico da Califórnia para Londres, onde passou um mês dedicado somente a eles. Foi uma panacéia, mas teve o inestimável valor de despertar em John a vontade de se curar. Após um mês de terapia particular, Dr. Janov convenceu o casal a ir com ele para a Califórnia, para o Primal Institute, em Los Angeles. Os problemas de John com a imigração norte-americana seriam facilmente resolvidos pelo Dr. Janov. Um dos poucos meios que ele teria para poder entrar e permanecer nos EUA era para tratamento médico especializado.
Pouco antes de John e Yoko partirem para a Califórnia, Janov sugeriu que seria bom para a terapia de John se ele resolvesse, um pouco que fosse, o problema de seus sentimentos ambivalentes para com o filho Julian, a quem ele amava, mas ao mesmo tempo rejeitava, uma vez que, para viver sua própria vida com Yoko, ficava meses sem se quer ver o menino. Foi combinado um encontro, e John foi sozinho, em seu Rolls-Royce, até a casa de Cynthia, em Kensington, visitar o filho. “Ele foi surpreendentemente agradável”, relembra Cynthia. “John subiu quase que imediatamente para o quarto de Julian, onde ficaram durante muitas horas brincando juntos. Eu estava radiante, e Julian mais ainda. Mais tarde, John desceu para tomar uma xícara de chá comigo e me contar seus progressos com a terapia primal. Yoko não foi mencionada um só momento. Exatamente aí o telefone tocou. Era a governanta da mansão de John em Tittenshurst Park, histérica porque Yoko estava ameaçando tomar uma superdose de pílulas para dormir porque John estava passando tempo demais comigo e com Julian. John bateu com telefone e gritou: ‘Aquela maluca está ameaçando se matar.’”
Depois disso, todas as comunicações e determinações a respeito de Julian foram feitas através de Yoko Ono. Cynthia nunca mais ouviu o som da voz de John ao vivo.
Se a terapia primal acabou não sendo o elixir mágico que John buscava, foi uma das poucas coisas na época que lhe deixaram valores positivos e uma verdadeira melhora pessoal. A terapia primal o pôs mais em contato com os seus medos e fúrias, com as cargas que ele vinha trazendo nas costas durante toda a vida. Ser capaz de lidar com seus sentimentos de forma tão explícita liberou o artista dentro dele, e muitas vezes ele voltou às telas e pincéis para traduzir suas emoções em termos que entendia melhor. Os resultados são evidentes no primeiro álbum-solo de John, o chamado LP “primal”, John Lennon/Plastic Ono Band. Este álbum foi uma das obras autobiográficas mais poderosas e eficientes produzidas, em qualquer mídia, por um artista moderno. John utilizou o estúdio para um exorcismo musical. De todo LP, a música que fez maior sucesso comercial foi uma canção chamada God (Deus), uma litania simples das desilusões de John. Ele canta:
“I d'ont believe in" Jesus...
“I don’t believe in" Bible...
“I don’t believe in" Elvis...
“I don’t believe in" Beatles... “I just believe in me...The dream is over"
(Eu não creio em Jesus...não creio na Bíblia...não creio em Elvis...não creio nos Beatles...só creio em mim. O sonho acabou.)
Durante todo aquele ano (1969) Paul acompanhou as aventuras de John e Yoko pelos jornais, com um crescente sentimento de consternação e desgosto. John estava fazendo papel de tolo, e era tempo de Paul romper. Uma vez que era tolice continuar a pensar que um dia viesse a haver um outro álbum dos Beatles. Paul decidiu que o primeiro passo no sentido de uma ruptura seria fazer seu próprio álbum, e naquele outono resolveu se retirar para a sua fazenda na Escócia, a fim de fazer lá mesmo suas gravações. Em março de 1970, quase seis meses depois, ele voltou para Londres com o disco – McCartney – pronto. Assim que chegou telefonou para John. “Estou fazendo o que você e Yoko estão fazendo”, disse ele. “Estou soltando meu próprio álbum e deixando o grupo.” John não podia acreditar qua Paul ainda pensasse sequer que havia um grupo para deixar. “Ótimo”, respondeu John. “Com isso já somos dois a aceitar a coisa mentalmente.”
Julian, o filho de John com Cynthia, nunca pôde conviver muito com o pai. Primeiro foram as eternas turnês. Depois foi Yoko que se colocou entre eles, com ciúmes. Ele nem conhece o irmão, Sean, filho de Yoko.
A gravação de Let It Be foi o último momento profissional dos Beatles juntos, sempre com a presença de Yoko, o que irritava muito os demais Beatles.
Paul então informou a mim (Peter Brown) e a Allen Klein que, por motivos pessoais, ele queria esse álbum lançado no dia 10 de abril, pela Apple. Klein explicou que 10 de abril era impossível. Em 10 de abril seria o lançamento de Let It Be. Phil Spector fizera um trabalho tão bom para o compacto de John Instant Karma que John e Klein deram a ele todas as empoeiradas fitas de Let It Be, que estavam guardadas num cofre há mais de um ano, para que ele fizesse um álbum com elas. O álbum seria solto a tempo para acompanhar o documentário Let It Be, já pronto, e que estrearia nos cinemas em 20 de maio.
Uma vez que era um filme da United Artists, a data não podia ser mudada. E Ringo também gravara um álbum solo, chamado Sentimental Journey, que deveria ser lançado depois de Let It Be.
Paul teria que esperar na fila.
Paul telefonou enfurecido para Sir Joseph Lockwood, da EMI.”Estou sendo sabotado, Sir Joe, é isso que eles estão fazendo comigo!” Sir Joe disse que faria o possível para ajudar, mas a decisão, afinal, teria que caber aos outros Beatles.
Uma noite Ringo foi ver Paul na casa em St. John’s Wood. Ringo era o menos inflamável de todos e o melhor mediador para conseguir algum tipo de acordo. Fazia poucos minutos que Ringo estava na casa de Paul, quando este se enfureceu e, de acordo com Ringo, ficou totalmente fora de controle. Sacudiu o dedo na cara de Ringo e gritou: “Vou acabar com você todos! Vocês hão de pagar!” Deu a Ringo seu casaco e o botou para fora de casa. Ringo, rapaz razoável que é, disse aos outros que, se era tão importante para Paul ter seu álbum solo lançado em abril, eles então que deixassem, só para demonstrar amizade. O próprio álbum de Ringo foi posto para depois e o lançamento de Let It Be antecipado. No final, os três álbuns chegaram ao mercado com três ou quatro semanas de distância um do outro, inundando as paradas com produtos dos Beatles. Foi uma péssima decisão mercadológica. Paul estava zangado, mas não tão zangado quanto ele ficaria quando, eventualmente, ouviu o álbum Let It Be. Spector arrasara completamente com o som dos Beatles. Apesar de ter certos méritos, Let It Be era puramente uma pura amostra da Phil Spector Wall of Sound Production, com seus inimitáveis fundos de coros imensos e orquestrações prolixas. Paul ficou mortificado com aquelas vozes femininas tão kitsch – as primeiras vozes femininas, que jamais apareceram num disco dos Beatles – e com o que Spector fizera com uma de suas mais belas canções, The Long and Winding Road. Paul originariamente gravara a canção apenas com uma guitarra acústica, do mesmo modo como cantara a canção no documentário da United, usando apenas a doçura de sua voz para levar a
melodia. Spector a transformara numa pilha monumental de pieguice, completando-a com cordas, metais e um coro etéreo no fundo.
Paul então informou a mim (Peter Brown) e a Allen Klein que, por motivos pessoais, ele queria esse álbum lançado no dia 10 de abril, pela Apple. Klein explicou que 10 de abril era impossível. Em 10 de abril seria o lançamento de Let It Be. Phil Spector fizera um trabalho tão bom para o compacto de John Instant Karma que John e Klein deram a ele todas as empoeiradas fitas de Let It Be, que estavam guardadas num cofre há mais de um ano, para que ele fizesse um álbum com elas. O álbum seria solto a tempo para acompanhar o documentário Let It Be, já pronto, e que estrearia nos cinemas em 20 de maio.
Uma vez que era um filme da United Artists, a data não podia ser mudada. E Ringo também gravara um álbum solo, chamado Sentimental Journey, que deveria ser lançado depois de Let It Be.
Paul teria que esperar na fila.
Paul telefonou enfurecido para Sir Joseph Lockwood, da EMI.”Estou sendo sabotado, Sir Joe, é isso que eles estão fazendo comigo!” Sir Joe disse que faria o possível para ajudar, mas a decisão, afinal, teria que caber aos outros Beatles.
Uma noite Ringo foi ver Paul na casa em St. John’s Wood. Ringo era o menos inflamável de todos e o melhor mediador para conseguir algum tipo de acordo. Fazia poucos minutos que Ringo estava na casa de Paul, quando este se enfureceu e, de acordo com Ringo, ficou totalmente fora de controle. Sacudiu o dedo na cara de Ringo e gritou: “Vou acabar com você todos! Vocês hão de pagar!” Deu a Ringo seu casaco e o botou para fora de casa. Ringo, rapaz razoável que é, disse aos outros que, se era tão importante para Paul ter seu álbum solo lançado em abril, eles então que deixassem, só para demonstrar amizade. O próprio álbum de Ringo foi posto para depois e o lançamento de Let It Be antecipado. No final, os três álbuns chegaram ao mercado com três ou quatro semanas de distância um do outro, inundando as paradas com produtos dos Beatles. Foi uma péssima decisão mercadológica. Paul estava zangado, mas não tão zangado quanto ele ficaria quando, eventualmente, ouviu o álbum Let It Be. Spector arrasara completamente com o som dos Beatles. Apesar de ter certos méritos, Let It Be era puramente uma pura amostra da Phil Spector Wall of Sound Production, com seus inimitáveis fundos de coros imensos e orquestrações prolixas. Paul ficou mortificado com aquelas vozes femininas tão kitsch – as primeiras vozes femininas, que jamais apareceram num disco dos Beatles – e com o que Spector fizera com uma de suas mais belas canções, The Long and Winding Road. Paul originariamente gravara a canção apenas com uma guitarra acústica, do mesmo modo como cantara a canção no documentário da United, usando apenas a doçura de sua voz para levar a
melodia. Spector a transformara numa pilha monumental de pieguice, completando-a com cordas, metais e um coro etéreo no fundo.
Paul McCartney está está vivo e passando bem, gravando um disco em sua fazenda na Escócia
Quando Paul McCartney resolveu se retirar para sua fazendo na Escócia, em 1969, a fim de gravar seu próprio LP, fez questão de manter em segredo sua partida e o motivo pelo qual estava entrando “de férias”. Isso teve um efeito mórbido inesperado. A 12 de outubro, um disc-jockey americano, chamado Russ Gibb, na estação WKNR-FM de Detroit, disse ter recebido um telefonema anônimo contando que Paul McCarteney tinha morrido. A prova, segundo ele, em parte poderia ser obtida no final da canção Strawberry Fields, do LP Seargent Papper, que, tocada de trás para frente, podia ser decifrada como John dizendo “Eu enterrei Paul”. Por mais que, na época, esse pudesse ser o sentimento de John, ainda assim não era verdade. Pouco depois dessa transmissão, a mesa telefônica da Apple, em Londres, ficou congestionada com telefonemas de agências noticiosas do mundo inteiro, de repórteres locais e de fãs que queriam saber se era mesmo um fato que Paul estava morto. Garantimos a todos que ele estava vivo, em bom estado de saúde e se divertindo, mas, para proteger sua privacidade, não queríamos dizer exatamente onde ele se encontrava. Mas isso só fez aumentar a confusão em torno de seu destino e de seu paradeiro. Derek Taylor, afinal, teve que admitir que ele tinha ido para sua fazendo na Escócia. Eu chamei Paul através de sua linha telefônica privada na fazenda e contei tudo a ele. Perguntei o que ele queria fazer a respeito, e ele disse: “Nada, deixe rolar.” E foi o que eu fiz. Mas em poucos dias a situação estava ainda pior, e voltei a telefonar, dizendo-lhe que precisávamos fazer uma declaração, ou de alguma forma provar que os rumores não faziam sentido. Paul estava determinado. Não ia dizer nada, ia ficar na Escócia, e isso era tudo. Mas não foi o bastante para a revista Life, cujos editores se determinaram em obter a prova fotográfica de que Paul não morrera, e mandaram um time de repórteres e fotógrafos à Escócia, para seguir a pista dele e obter pelo menos uma fotografia. Com muito sacrifício, o grupo conseguiu se esgueirar até as proximidades da casa da fazenda, mas foram detectados por Martha, a cadela pastora inglesa de Paul, cujos latidos fizeram com que ele aparecesse correndo. Enfurecido com a invasão tão descarada de seu lar, Paul gritou com os repórteres que foram embora, mas eles começaram a bater fotos dele gritando. Isso o enfureceu ainda mais. Paul estava segurando um balde d’água, e atirou-o sobre os fotógrafos, que bateram fotos disso também. Pouco depois de eles terem partido, Paul parou e pensou no que fizera. Arrependido, pulou em seu jipe e correu atrás deles. Alcançou-os no caminho para a cidade mais próxima, e parou para conversar, parlamentar. Usando de todo o seu habitual charme, ele se desculpou e perguntou se eles aceitavam um acordo: em troca dos filmes que tinham acabado de bater de sua explosão temperamental ele lhes daria uma entrevista exclusiva, além de fotos exclusivas dele com sua filha recém-nascida, Mary – fotos tiradas pela fotógrafa da família, Linda Eastman, mulher de Paul. Essa entrevista e as fotografias foram a matéria de capa do número seguinte de Life.
Paul tentou tudo que pôde para mudar a coisa, mas era tarde demais, o disco já estava sendo prensado.
Essa heresia com seu trabalho foi a última gota.
A 20 de maio, na estréia de gala de Let It Be, no Palladium de Londres, nenhum dos Beatles apareceu. Ao invés de um filme sobre a realização de um álbum, foi o retrato de dissolução de um grupo. Ainda mais doloroso: foi o retrato da dissolução de uma amizade em animosidade e até eventual ódio. Naquela mesma noite, George Harrison foi para os estúdios com Phil Spector e começou o que seriam seis meses de trabalho em seu próprio álbum solo, All Things Must Pass. Para não ficar de fora, Ringo também começo a trabalhar em seu LP seguinte, Beaucoup of Blues, que levou seis dias, em vez de seis meses, para ser gravado.
Em 17 de abril o LP solo de Paul, McCartney, com cerejas na capa, foi lançado. Dentro, uma entrevista dele com ele mesmo, que deixava uma mensagem irrefutável: os Beatles estavam mortos. Uma semana antes, Paul anunciara aos jornais o que John desejara dizer durante todo aquele tempo: ele estava deixando os Beatles, “por causa de diferenças pessoais, comerciais e musicais.”
Ele deve ter se lembrado, nesse momento, de uma tarde, no final do verão anterior (setembro de 1969), em que John, recém-chegado de uma turnê no Canadá, convocou um encontro com na Apple. Paul chegou, como de hábito cheio de planos para os Beatles. Começou a falar de seus projetos. Não importa o que ele sugerisse, John só dizia: “Não, isso eu não quero”, ou “Não, não me interessa”. A discussão acabou numa briga enorme, que Paul tentou cortar dizendo: “No fim das contas, depois de tudo dito e feito, ainda somos os Beatles, não somos?” “Ah, não***”, disse John. “Eu não sou Beatle nenhum.” Paul não podia acreditar. “É claro que você é...” “Não sou!”, gritou John. “Será que você não entende? Está acabado. Acabado! Eu quero o divórcio, tal como me divorciei da Cynthia! Será que isso não entra nesse diabo dessa cabeça?” O encontro terminou em seguida, com John saindo escadaria abaixo – Yoko atrás dele -, gritando: “Está acabado! Encerrado!” Ainda assim, John não disse nada aos jornalistas, e, quando ele e Yoko deram a partida em seu Rolls-Royce branco, Paul achou que ele logo se acalmaria, e que sempre haveria os Beatles. Afinal, coube a Paul contar à imprensa primeiro, sete meses depois.
Em 23 de outubro de 1980, um guarda de segurança de 25 anos, chamada Mark David Chapman, assinou a saída de seu trabalho num grande condomínio de Honolulu, no Havaí. O nome que ele assinou foi “John Lennon”. Mais tarde, naquele mesmo dia, ele telefonou para o seu agente de emprego e se demitiu. “Você está procurando alguma coisa?” Ele perguntou.
“Não”, disse Mark, “Já tenho um trabalho para fazer”.
Na superfície, Mark Chapman era igual a milhões de outros garotos que adoraram John Lennon e os Beatles enquanto cresciam. Não havia meio de se prever que um dia a personalidade dele se partiria e ele se transformaria em duas pessoas, ele mesmo e John Lennon, e então sentiria a compulsão de reduzir o número para um novamente. Chapman se encaixa no perfil psicológico de vários assassinos de presidentes.
São homens de muito baixa auto-estima, amargamente desapontados com suas próprias vidas. Ligam-se a heróis com o que p historiador Christopher Lash chamou de “intimidade mortal”, primeiro como fã, depois como imitador, inevitavelmente como assassino.
Chapman nasceu em 10 de maio de 1955, em Fort Worth, Texas, filho de um sargento da reserva da força aérea, mas cresceu num subúrbio de Atlanta, Geórgia, onde o pai trabalhava como gerente de crédito num banco de Atlanta. Chapman foi um adolescente típico, médio, tranqüilo, cujos interesses iam de discos voadores aos Beatles. Ele amava os Beatles, para inquietação dos pais, amava demais, e deixou crescer o cabelo, além de aprender a toca guitarra. No segundo grau ele juntou-se a um conjunto local e trabalhou como conselheiro na filial de South DeKalb da ACM.
Sua aspiração era tornar-se diretor da ACM (Associação Cristã de Moços).
Mas em 1969 Chapman sofreu uma transformação radical. Iniciado em drogas psicodélicas na escola, ele tomou todo tipo de alucinógenos que conseguia encontrar, e freqüentemente tinha viagens horríveis. Os pais tentaram pôr um ponto final naquilo, mas o único resultado é que Chapman fugiu, ficando fora durante duas semanas. E então, tão repentinamente quanto começara, a coisa parou, e Chapman tornou-se um desses “fanáticos de Jesus”, com quinze anos de idade. Vendeu seus discos dos Beatles, cortou o cabelo, botou uma camisa branca e uma gravata preta, e passou a usar uma grande cruz de madeira no pescoço. Os amigos lembram de ouvi-lo recitar passagens da bíblia, que ele a partir de então carregava onde quer que fosse. Na escola, ele passava o tempo todo livre estudando a bíblia, e em encontros de oração Chapman uma vez renunciou aos Beatles, porque John Lennon declarara que eles eram mais populares que Jesus.
A canção Imagine tornou-se uma das vítimas favoritas desse grupo de oração, e eles a cantavam mudando os versos para “Imagine que John Lennon está morto”.
Após se formar, Chapman inscreveu-se no DeKalb Community College durante um curto período, e depois abandonou os estudos. Foi fazer trabalho de campo na ACM durante algum tempo, até que um amigo lhe disse que havia um emprego full-time disponível na ACM de Beirute, capital do Líbano. Chapman ganhou dinheiro para a passagem aérea levando carros e fazendo pacotes em armazéns, e partiu por volta de junho de 1975. Não fazia duas semanas que ele estava no Líbano, quando começou uma terrível guerra civil, e ele
Teve que ser evacuado, com outros norte-americanos. Ele gravou o som dos canhões num gravador cassete antes de partir e ficava tocando a fita repetidas vezes para os amigos, de volta a Atlanta.
Foi mais tarde, ainda nesse ano, que ele se apaixonou por uma bela garota, com longos cabelos compridos, chamada Jessica Blankenship. Foi um relacionamento unilateral, e Chapman fez todo tipo de coisas para impressioná-la, inclusive mandando escrever “Feliz Aniversário, Jessica” na marquise do Holiday Inn local. Ele até se inscreveu no Covenant College, uma escola presbiteriana muito rígida, para impressioná-la. Seu sonho era que os dois se tornassem missionários cristãos e fossem viver em algum lugar exótico. Mas o Covent College era muito duro para ele, e quando ele desistiu, Jessica o encarou como um fracassado. Um emprego no centro de refugiados vietnamitas de Fort Chafee, no Arkansas, aliviou seu espírito temporariamente, mas quando isso também acabou, em dezembro de 1975, ele estava perdido.
Em 1977 ele se mudou para o Havaí, onde a mãe tinha ido viver após se divorciar do pai dele. Pouco depois de sua chegada, Chapman tentou se suicidar aspirando a fumaça do cano de descarga de um automóvel. Foi encontrado a tempo e hospitalizado para tratamento psiquiátrico no Castle Memorial Hospital, mas logo foi dispensado. Mais tarde trabalhou na ACM local e no próprio Castle Memorial. Em 1979, com um pouco de dinheiro que o pai lhe mandara, fez uma viagem pelo mundo e visitou várias ACMs, em Tóquio, Hong Kong, Bagcoc, Paris e Londres.
Antes de voltar para o Havaí, em junho de 1979, casou-se com Gloria Abe, uma japonesa quatro anos mais velha do que ele, que marcara todas as suas viagens para a volta ao mundo na agência de viagens local. Apesar de ele ter apenas um emprego de quatro dólares por hora como guarda de segurança, conseguiu tomar emprestado num banco dinheiro suficiente para colecionar litografias. A primeira foi de Salvador Dali, chamada Lincoln in Dalivision, que Chapman comprou por cinco mil dólares. Mais tarde trocou-a por uma litografia de Norman Rockwell, intitulada Triplo Auto-Retrato.
A essa altura alguma coisa transformara Chapman num jovem pesadão,, irascível. Era seco e não se relacionava com os colegas de trabalho, e desenvolveu um súbito interesse por armas de fogo. Em casa tornou-se terrível para com a mulher, proibindo-a de ouvir rádio ou ler jornais.
Uma vez o viram no trabalho usando um crachá de identificação com o nome “John Lennon” escrito a maquina e colado em cima do dele próprio. Mas não havia que Mark David Chapman jamais tivesse dito ou feito que levasse alguém a acreditar que ele ia matar John Lennon.
Num dia qualquer de outubro, Chapman leu o mais recente número de Esquire, o que trazia John Lennon como história de capa. O artigo, uma peça de não-jornalismo, em busca de um entrevistado que se recusara a ser entrevistado ou a cooperar, retratava Lennon como “um homem de negócios quarentão, que vê televisão um bocado de tempo, que possui 150 milhões de dólares (250 milhões de dólares, segundo a Fortune, outra revista), um filho que ele idolatrava e uma mulher que interceptava seus telefonesmas”.
John se acabara. “Esse fingido”, pensou Chapman.
Em 27 de outubro de Chapman entrou na J&S Sales Ltd., em Honolulu, e comprou um Charter Arms, um revólver calibre 38 especial. Ele se inscrevera para obter uma licença particular de porte de arma no começo daquele mês, alegando seu trabalho como guarda de segurança, e não teve problemas em conseguir o revólver. Em novembro Chapman fez uma peregrinação e Atlanta, Geórgia, para ver os pais e os amigos. E depois foi para Nova Iorque. Passou uns poucos dias no hotel Waldorf Astoria, em Park Avenue, antes de se registrar no hotel Olcott, perto do edifício Dakota, onde John e Yoko moravam, e que servira de cenário para Roman Polansky filmar O Bebe de Rosemary.
Chapman, segundo se diz, mais tarde contou a um ministro religioso que, durante esse período, esteve lutando com espíritos “bons” e “maus”.
Evidentemente os bons espíritos venceram, naquele momento, porque Chapman de repente embarcou num avião para Atlanta, ficando na cidade somente alguns dias, antes de voltar para casa, no Havaí. Finalmente, dirigiu-se de novo para Nova Iorque, em 5 de dezembro. O total de suas viagens, a essa altura, já o fazia percorrer mais de 20 mil quilômetros.
Na primeira noite ele se registrou na ACM da rua 63, a apenas nove quarteirões ao sul do Dakota, e depois no Sheraton Centre Hotel, na rua 52 com a Sétima Avenida. No dia seguinte ele ficou de vigília diante do Dakota. Levava nos bolsos algumas fitas cassete dos Beatles, um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, e seu revólver 38. Chapman não foi notado na mudança de guarda, nem pelos fãs que costumam ficar esperando do lado de fora do Dakota, à espera de que Lauren Bacall ou Gilda Radner (ou John Lennon e Yoko Ono) passem.
Aquela segunda-feira, 8 de dezembro, era um dia de inverno estranhamente quente para Nova Iorque, dia perfeito para ficar esperando em frente ao Dakota que alguma celebridade passasse. Ninguém tem muita certeza sobre quanto tempo Mark Chapman ficou lá naquele dia. Quando John e Yoko saíram, às cinco da tarde a limusine de John estava estacionada no meio-fio, em vez de estar dentro dos portões de entrada do Dakota, e quando ele se dirigiu para o carro, Chapman estendeu-lhe um exemplar do novo álbum de Lennon, Double
Fantasy, e John, sem podr fazer outra coisa, parou e autografou a capa para ele: “John Lennon, 1980”. Outro fã correu e tirou uma foto. Mark Chapman estava estático, enquanto John e Yoko entravam na limusine e saíam. “Eu estava com o chapéu na cabeça ou não?”, perguntou ele, muito excitado. “Espero que não estivesse de chapéu. Rapaz, nunca vão acreditar nisso lá no Havaí!” John e Yoko voltaram ao Dakota às 10h50min da noite, de limusine, com John carregando nas mãos as fitas de Caminhando sobre Gelo Fino. Os altos portões de segurança ainda estavam abertos, mas novamente a limusine parou junto ao meio-fio, e John teve que caminhar pela calçada. Yoko cruzou o portão de entrada na frente dele. Assim que passaram para a parte obscura da arcada do prédio, John ouviu uma voz que o chamava: I”Me. Lennon?” John se virou procurando, míope, na escuridão. A um metro e meio de distância, Mark Chapman já estava em posição de tiro. Antes que John pudesse falar, Chapman disparou cinco tiros nele.
Yoko ouviu os tiros e se virou. A princípio ela não se deu conta de que John tinha sido atingido, porque ele continuou caminhando em direção dela. Então ele caiu de joelhos e ela viu o sangue. “Fui baleado!”, gritou para ela, antes de cair de cara diante do escritório de segurança do Dakota. O porteiro do famoso edifício, um rapaz barbudo de 27 anos, chamado Jay Hastings, saiu de trás da escrivaninha e se precipitou para onde John estava caído com o sangue jorrando pela boca, o peito cheio de ferimentos. Yoko segurou a cabeça de John, enquanto Hastings tirou o casaco azul de seu uniforme e o colocou sobre ele. John estava semiconsciente e, quando tentou falar, engasgou e vomitou matéria orgânica. Enquanto a polícia era chamada, Hastings correu para o lado de fora, em busca do pistoleiro, mas não teve que ir muito longe. Chapman estava parado calmamente diante do Dakota, lendo seu exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio. Jogara o revólver no chão depois de atirar. “Você sabe o que acaba de fazer?”. Perguntou Hastings. “Eu acabo de atirar em John Lennon”, disse Chapman, sempre calmamente. Yoko gritou histérica até a polícia chegar. O primeiro a se apresentar no local foi o patrulheiro Anthony Palma. Contra a vontade de Yoko, ele virou John de costas. “Vermelho foi tudo que vi”, disse Palma. “O cara está morrendo. Vamos tirá-lo daqui.” A essa altura, o carro de patrulha da polícia já tinha chegado, e Palma e o oficial James Moran puseram John no assento traseiro. Partiram para o Roosevelt Hospital, com as sirenes berrando. Yoko seguiu num segundo carro da polícia, repetindo o tempo todo: “Não é verdade, digam que não é verdade!”
A caminho do hospital, o oficial Moran olhava para John Lennon em seu colo e não acreditava. “Você sabe quem você é?” sussurrou-lhe Moran. John gemeu e fez que sim com a cabeça. Foi seu último gesto. Quando chegaram à sala de emergência do Roosevelt Hospital, mais de 80% do volume de sangue de John se perdera através de sete graves ferimentos em seu pescoço e em seu ombro. Diversos cirurgiões e enfermeiras trabalharam em cima dele febrilmente durante meia hora. De acordo com o Dr. Stephen Lynn, diretor dos serviços de emergência do hospital, “não foi possível ressuscitá-lo por meio nenhum”. Quando o Dr. Lynn saiu para a sala de espera, Yoko lhe perguntou frenética: “Onde está meu marido! Ele ia querer que eu estivesse com ele!” “Temos muito más notícias”, disse-lhe o Dr. Lynn. “Infelizmente, apesar dos maiores esforços, seu marido está morto. Não houve sofrimento no final.” “O senhor quer dizer que ele estava dormindo?”, soluçou Yoko. Ela voltou para o Dakota pouco depois da meia-noite. Sozinha. Telefonou para três pessoas naquela noite. Telefonou para Julian, que perdera o pai que nunca pôde conhecer direito; telefonou para tia Mimi, que perdera o garotinho que um dia ela quis fingir que era filho dela mesma; e telefonou para Paul McCartney, e este por sua vez telefonou para os outros Beatles.
No dia 10 de dezembro, a seguinte carta apareceu nos jornais de todo o mundo. Era de Yoko e de Sean. “Eu contei a Sean o que aconteceu. Mostrei-lhe a foto de seu pai na primeira página do jornal e lhe expliquei a situação. Levei Sean ao local onde John caiu depois de ter sido ferido. Sean queria saber porque a pessoa atirara em John, se gostava dele. Eu lhe expliquei que provavelmente era uma pessoa muito confusa. Sean disse que precisávamos descobrir se ele era realmente uma pessoa confusa ou se ele de fato quisera matar John. Disse a ele que isso cabia ao tribunal. Ele perguntou que tribunal, se o de tênis ou de basquete (N. da R.: o trocadilho é intraduzível. Em inglês a palavra court significa tribunal, corte, e também significa quadra). Era assim que Sean costumava conversar com o pai. Eles eram amigos, colega. John teria ficado orgulhos de Sean se tivesse ouvido isso. Sean chorou depois. Ele também disse: “Agora papai é parte de Deus. Acho que quando você morre, você se torna muito maior, porque se torna parte de todas as coisas.” Yoko, publicamente, é muito filosófica sobre a morte de John. Quando lhe perguntaram por que todos os médiuns e astrólogos não os avisaram sobre a noite de 8 de dezembro sob as arcadas do edifício Dakota, ela respondeu que tinham avisado. Não a data específica, mas que John tinha má sorte em seu futuro. Alguns destinos, diz ela, não podem ser mudados.
Essa heresia com seu trabalho foi a última gota.
A 20 de maio, na estréia de gala de Let It Be, no Palladium de Londres, nenhum dos Beatles apareceu. Ao invés de um filme sobre a realização de um álbum, foi o retrato de dissolução de um grupo. Ainda mais doloroso: foi o retrato da dissolução de uma amizade em animosidade e até eventual ódio. Naquela mesma noite, George Harrison foi para os estúdios com Phil Spector e começou o que seriam seis meses de trabalho em seu próprio álbum solo, All Things Must Pass. Para não ficar de fora, Ringo também começo a trabalhar em seu LP seguinte, Beaucoup of Blues, que levou seis dias, em vez de seis meses, para ser gravado.
Em 17 de abril o LP solo de Paul, McCartney, com cerejas na capa, foi lançado. Dentro, uma entrevista dele com ele mesmo, que deixava uma mensagem irrefutável: os Beatles estavam mortos. Uma semana antes, Paul anunciara aos jornais o que John desejara dizer durante todo aquele tempo: ele estava deixando os Beatles, “por causa de diferenças pessoais, comerciais e musicais.”
Ele deve ter se lembrado, nesse momento, de uma tarde, no final do verão anterior (setembro de 1969), em que John, recém-chegado de uma turnê no Canadá, convocou um encontro com na Apple. Paul chegou, como de hábito cheio de planos para os Beatles. Começou a falar de seus projetos. Não importa o que ele sugerisse, John só dizia: “Não, isso eu não quero”, ou “Não, não me interessa”. A discussão acabou numa briga enorme, que Paul tentou cortar dizendo: “No fim das contas, depois de tudo dito e feito, ainda somos os Beatles, não somos?” “Ah, não***”, disse John. “Eu não sou Beatle nenhum.” Paul não podia acreditar. “É claro que você é...” “Não sou!”, gritou John. “Será que você não entende? Está acabado. Acabado! Eu quero o divórcio, tal como me divorciei da Cynthia! Será que isso não entra nesse diabo dessa cabeça?” O encontro terminou em seguida, com John saindo escadaria abaixo – Yoko atrás dele -, gritando: “Está acabado! Encerrado!” Ainda assim, John não disse nada aos jornalistas, e, quando ele e Yoko deram a partida em seu Rolls-Royce branco, Paul achou que ele logo se acalmaria, e que sempre haveria os Beatles. Afinal, coube a Paul contar à imprensa primeiro, sete meses depois.
Em 23 de outubro de 1980, um guarda de segurança de 25 anos, chamada Mark David Chapman, assinou a saída de seu trabalho num grande condomínio de Honolulu, no Havaí. O nome que ele assinou foi “John Lennon”. Mais tarde, naquele mesmo dia, ele telefonou para o seu agente de emprego e se demitiu. “Você está procurando alguma coisa?” Ele perguntou.
“Não”, disse Mark, “Já tenho um trabalho para fazer”.
Na superfície, Mark Chapman era igual a milhões de outros garotos que adoraram John Lennon e os Beatles enquanto cresciam. Não havia meio de se prever que um dia a personalidade dele se partiria e ele se transformaria em duas pessoas, ele mesmo e John Lennon, e então sentiria a compulsão de reduzir o número para um novamente. Chapman se encaixa no perfil psicológico de vários assassinos de presidentes.
São homens de muito baixa auto-estima, amargamente desapontados com suas próprias vidas. Ligam-se a heróis com o que p historiador Christopher Lash chamou de “intimidade mortal”, primeiro como fã, depois como imitador, inevitavelmente como assassino.
Chapman nasceu em 10 de maio de 1955, em Fort Worth, Texas, filho de um sargento da reserva da força aérea, mas cresceu num subúrbio de Atlanta, Geórgia, onde o pai trabalhava como gerente de crédito num banco de Atlanta. Chapman foi um adolescente típico, médio, tranqüilo, cujos interesses iam de discos voadores aos Beatles. Ele amava os Beatles, para inquietação dos pais, amava demais, e deixou crescer o cabelo, além de aprender a toca guitarra. No segundo grau ele juntou-se a um conjunto local e trabalhou como conselheiro na filial de South DeKalb da ACM.
Sua aspiração era tornar-se diretor da ACM (Associação Cristã de Moços).
Mas em 1969 Chapman sofreu uma transformação radical. Iniciado em drogas psicodélicas na escola, ele tomou todo tipo de alucinógenos que conseguia encontrar, e freqüentemente tinha viagens horríveis. Os pais tentaram pôr um ponto final naquilo, mas o único resultado é que Chapman fugiu, ficando fora durante duas semanas. E então, tão repentinamente quanto começara, a coisa parou, e Chapman tornou-se um desses “fanáticos de Jesus”, com quinze anos de idade. Vendeu seus discos dos Beatles, cortou o cabelo, botou uma camisa branca e uma gravata preta, e passou a usar uma grande cruz de madeira no pescoço. Os amigos lembram de ouvi-lo recitar passagens da bíblia, que ele a partir de então carregava onde quer que fosse. Na escola, ele passava o tempo todo livre estudando a bíblia, e em encontros de oração Chapman uma vez renunciou aos Beatles, porque John Lennon declarara que eles eram mais populares que Jesus.
A canção Imagine tornou-se uma das vítimas favoritas desse grupo de oração, e eles a cantavam mudando os versos para “Imagine que John Lennon está morto”.
Após se formar, Chapman inscreveu-se no DeKalb Community College durante um curto período, e depois abandonou os estudos. Foi fazer trabalho de campo na ACM durante algum tempo, até que um amigo lhe disse que havia um emprego full-time disponível na ACM de Beirute, capital do Líbano. Chapman ganhou dinheiro para a passagem aérea levando carros e fazendo pacotes em armazéns, e partiu por volta de junho de 1975. Não fazia duas semanas que ele estava no Líbano, quando começou uma terrível guerra civil, e ele
Teve que ser evacuado, com outros norte-americanos. Ele gravou o som dos canhões num gravador cassete antes de partir e ficava tocando a fita repetidas vezes para os amigos, de volta a Atlanta.
Foi mais tarde, ainda nesse ano, que ele se apaixonou por uma bela garota, com longos cabelos compridos, chamada Jessica Blankenship. Foi um relacionamento unilateral, e Chapman fez todo tipo de coisas para impressioná-la, inclusive mandando escrever “Feliz Aniversário, Jessica” na marquise do Holiday Inn local. Ele até se inscreveu no Covenant College, uma escola presbiteriana muito rígida, para impressioná-la. Seu sonho era que os dois se tornassem missionários cristãos e fossem viver em algum lugar exótico. Mas o Covent College era muito duro para ele, e quando ele desistiu, Jessica o encarou como um fracassado. Um emprego no centro de refugiados vietnamitas de Fort Chafee, no Arkansas, aliviou seu espírito temporariamente, mas quando isso também acabou, em dezembro de 1975, ele estava perdido.
Em 1977 ele se mudou para o Havaí, onde a mãe tinha ido viver após se divorciar do pai dele. Pouco depois de sua chegada, Chapman tentou se suicidar aspirando a fumaça do cano de descarga de um automóvel. Foi encontrado a tempo e hospitalizado para tratamento psiquiátrico no Castle Memorial Hospital, mas logo foi dispensado. Mais tarde trabalhou na ACM local e no próprio Castle Memorial. Em 1979, com um pouco de dinheiro que o pai lhe mandara, fez uma viagem pelo mundo e visitou várias ACMs, em Tóquio, Hong Kong, Bagcoc, Paris e Londres.
Antes de voltar para o Havaí, em junho de 1979, casou-se com Gloria Abe, uma japonesa quatro anos mais velha do que ele, que marcara todas as suas viagens para a volta ao mundo na agência de viagens local. Apesar de ele ter apenas um emprego de quatro dólares por hora como guarda de segurança, conseguiu tomar emprestado num banco dinheiro suficiente para colecionar litografias. A primeira foi de Salvador Dali, chamada Lincoln in Dalivision, que Chapman comprou por cinco mil dólares. Mais tarde trocou-a por uma litografia de Norman Rockwell, intitulada Triplo Auto-Retrato.
A essa altura alguma coisa transformara Chapman num jovem pesadão,, irascível. Era seco e não se relacionava com os colegas de trabalho, e desenvolveu um súbito interesse por armas de fogo. Em casa tornou-se terrível para com a mulher, proibindo-a de ouvir rádio ou ler jornais.
Uma vez o viram no trabalho usando um crachá de identificação com o nome “John Lennon” escrito a maquina e colado em cima do dele próprio. Mas não havia que Mark David Chapman jamais tivesse dito ou feito que levasse alguém a acreditar que ele ia matar John Lennon.
Num dia qualquer de outubro, Chapman leu o mais recente número de Esquire, o que trazia John Lennon como história de capa. O artigo, uma peça de não-jornalismo, em busca de um entrevistado que se recusara a ser entrevistado ou a cooperar, retratava Lennon como “um homem de negócios quarentão, que vê televisão um bocado de tempo, que possui 150 milhões de dólares (250 milhões de dólares, segundo a Fortune, outra revista), um filho que ele idolatrava e uma mulher que interceptava seus telefonesmas”.
John se acabara. “Esse fingido”, pensou Chapman.
Em 27 de outubro de Chapman entrou na J&S Sales Ltd., em Honolulu, e comprou um Charter Arms, um revólver calibre 38 especial. Ele se inscrevera para obter uma licença particular de porte de arma no começo daquele mês, alegando seu trabalho como guarda de segurança, e não teve problemas em conseguir o revólver. Em novembro Chapman fez uma peregrinação e Atlanta, Geórgia, para ver os pais e os amigos. E depois foi para Nova Iorque. Passou uns poucos dias no hotel Waldorf Astoria, em Park Avenue, antes de se registrar no hotel Olcott, perto do edifício Dakota, onde John e Yoko moravam, e que servira de cenário para Roman Polansky filmar O Bebe de Rosemary.
Chapman, segundo se diz, mais tarde contou a um ministro religioso que, durante esse período, esteve lutando com espíritos “bons” e “maus”.
Evidentemente os bons espíritos venceram, naquele momento, porque Chapman de repente embarcou num avião para Atlanta, ficando na cidade somente alguns dias, antes de voltar para casa, no Havaí. Finalmente, dirigiu-se de novo para Nova Iorque, em 5 de dezembro. O total de suas viagens, a essa altura, já o fazia percorrer mais de 20 mil quilômetros.
Na primeira noite ele se registrou na ACM da rua 63, a apenas nove quarteirões ao sul do Dakota, e depois no Sheraton Centre Hotel, na rua 52 com a Sétima Avenida. No dia seguinte ele ficou de vigília diante do Dakota. Levava nos bolsos algumas fitas cassete dos Beatles, um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, e seu revólver 38. Chapman não foi notado na mudança de guarda, nem pelos fãs que costumam ficar esperando do lado de fora do Dakota, à espera de que Lauren Bacall ou Gilda Radner (ou John Lennon e Yoko Ono) passem.
Aquela segunda-feira, 8 de dezembro, era um dia de inverno estranhamente quente para Nova Iorque, dia perfeito para ficar esperando em frente ao Dakota que alguma celebridade passasse. Ninguém tem muita certeza sobre quanto tempo Mark Chapman ficou lá naquele dia. Quando John e Yoko saíram, às cinco da tarde a limusine de John estava estacionada no meio-fio, em vez de estar dentro dos portões de entrada do Dakota, e quando ele se dirigiu para o carro, Chapman estendeu-lhe um exemplar do novo álbum de Lennon, Double
Fantasy, e John, sem podr fazer outra coisa, parou e autografou a capa para ele: “John Lennon, 1980”. Outro fã correu e tirou uma foto. Mark Chapman estava estático, enquanto John e Yoko entravam na limusine e saíam. “Eu estava com o chapéu na cabeça ou não?”, perguntou ele, muito excitado. “Espero que não estivesse de chapéu. Rapaz, nunca vão acreditar nisso lá no Havaí!” John e Yoko voltaram ao Dakota às 10h50min da noite, de limusine, com John carregando nas mãos as fitas de Caminhando sobre Gelo Fino. Os altos portões de segurança ainda estavam abertos, mas novamente a limusine parou junto ao meio-fio, e John teve que caminhar pela calçada. Yoko cruzou o portão de entrada na frente dele. Assim que passaram para a parte obscura da arcada do prédio, John ouviu uma voz que o chamava: I”Me. Lennon?” John se virou procurando, míope, na escuridão. A um metro e meio de distância, Mark Chapman já estava em posição de tiro. Antes que John pudesse falar, Chapman disparou cinco tiros nele.
Yoko ouviu os tiros e se virou. A princípio ela não se deu conta de que John tinha sido atingido, porque ele continuou caminhando em direção dela. Então ele caiu de joelhos e ela viu o sangue. “Fui baleado!”, gritou para ela, antes de cair de cara diante do escritório de segurança do Dakota. O porteiro do famoso edifício, um rapaz barbudo de 27 anos, chamado Jay Hastings, saiu de trás da escrivaninha e se precipitou para onde John estava caído com o sangue jorrando pela boca, o peito cheio de ferimentos. Yoko segurou a cabeça de John, enquanto Hastings tirou o casaco azul de seu uniforme e o colocou sobre ele. John estava semiconsciente e, quando tentou falar, engasgou e vomitou matéria orgânica. Enquanto a polícia era chamada, Hastings correu para o lado de fora, em busca do pistoleiro, mas não teve que ir muito longe. Chapman estava parado calmamente diante do Dakota, lendo seu exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio. Jogara o revólver no chão depois de atirar. “Você sabe o que acaba de fazer?”. Perguntou Hastings. “Eu acabo de atirar em John Lennon”, disse Chapman, sempre calmamente. Yoko gritou histérica até a polícia chegar. O primeiro a se apresentar no local foi o patrulheiro Anthony Palma. Contra a vontade de Yoko, ele virou John de costas. “Vermelho foi tudo que vi”, disse Palma. “O cara está morrendo. Vamos tirá-lo daqui.” A essa altura, o carro de patrulha da polícia já tinha chegado, e Palma e o oficial James Moran puseram John no assento traseiro. Partiram para o Roosevelt Hospital, com as sirenes berrando. Yoko seguiu num segundo carro da polícia, repetindo o tempo todo: “Não é verdade, digam que não é verdade!”
A caminho do hospital, o oficial Moran olhava para John Lennon em seu colo e não acreditava. “Você sabe quem você é?” sussurrou-lhe Moran. John gemeu e fez que sim com a cabeça. Foi seu último gesto. Quando chegaram à sala de emergência do Roosevelt Hospital, mais de 80% do volume de sangue de John se perdera através de sete graves ferimentos em seu pescoço e em seu ombro. Diversos cirurgiões e enfermeiras trabalharam em cima dele febrilmente durante meia hora. De acordo com o Dr. Stephen Lynn, diretor dos serviços de emergência do hospital, “não foi possível ressuscitá-lo por meio nenhum”. Quando o Dr. Lynn saiu para a sala de espera, Yoko lhe perguntou frenética: “Onde está meu marido! Ele ia querer que eu estivesse com ele!” “Temos muito más notícias”, disse-lhe o Dr. Lynn. “Infelizmente, apesar dos maiores esforços, seu marido está morto. Não houve sofrimento no final.” “O senhor quer dizer que ele estava dormindo?”, soluçou Yoko. Ela voltou para o Dakota pouco depois da meia-noite. Sozinha. Telefonou para três pessoas naquela noite. Telefonou para Julian, que perdera o pai que nunca pôde conhecer direito; telefonou para tia Mimi, que perdera o garotinho que um dia ela quis fingir que era filho dela mesma; e telefonou para Paul McCartney, e este por sua vez telefonou para os outros Beatles.
No dia 10 de dezembro, a seguinte carta apareceu nos jornais de todo o mundo. Era de Yoko e de Sean. “Eu contei a Sean o que aconteceu. Mostrei-lhe a foto de seu pai na primeira página do jornal e lhe expliquei a situação. Levei Sean ao local onde John caiu depois de ter sido ferido. Sean queria saber porque a pessoa atirara em John, se gostava dele. Eu lhe expliquei que provavelmente era uma pessoa muito confusa. Sean disse que precisávamos descobrir se ele era realmente uma pessoa confusa ou se ele de fato quisera matar John. Disse a ele que isso cabia ao tribunal. Ele perguntou que tribunal, se o de tênis ou de basquete (N. da R.: o trocadilho é intraduzível. Em inglês a palavra court significa tribunal, corte, e também significa quadra). Era assim que Sean costumava conversar com o pai. Eles eram amigos, colega. John teria ficado orgulhos de Sean se tivesse ouvido isso. Sean chorou depois. Ele também disse: “Agora papai é parte de Deus. Acho que quando você morre, você se torna muito maior, porque se torna parte de todas as coisas.” Yoko, publicamente, é muito filosófica sobre a morte de John. Quando lhe perguntaram por que todos os médiuns e astrólogos não os avisaram sobre a noite de 8 de dezembro sob as arcadas do edifício Dakota, ela respondeu que tinham avisado. Não a data específica, mas que John tinha má sorte em seu futuro. Alguns destinos, diz ela, não podem ser mudados.
FIM
Tradução de Eduardo Francis Alves
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